Romance europeu baseado em clássico da literatura de Karen Blixen, na Netflix Jan Pallesen / Netflix

Romance europeu baseado em clássico da literatura de Karen Blixen, na Netflix

No século 18, a aristocracia se entretinha com jogos de manipulação e intrigas, como as relatadas no clássico “Ligações Perigosas” (1782), escrito por Choderlos de Laclos. As artimanhas dos nobres, sempre dispostos a driblar o tédio, foram imortalizadas tanto no romance quanto em diversas adaptações, como “Segundas Intenções” (1999), de Roger Kumble, e a recente “Justiceiras” (2022), dirigida por Jennifer Kaytin Robinson. Embora esses conflitos possam parecer distantes da realidade contemporânea, diretores como Bille August conseguem revitalizá-los, trazendo-os para um público moderno.

August, em parceria com seu filho Anders Frithiof August, transforma a literatura dinamarquesa em uma experiência cinematográfica. Dessa vez, ele nos oferece uma adaptação de Ehrengard, uma das últimas obras da renomada escritora Karen Blixen. O filme “Ehrengard: A Ninfa do Lago” mergulha nas complexidades de romances malfadados, traições inesperadas e paixões reprimidas, temas centrais da narrativa de Blixen, tudo embalado por um toque sutil, mas impactante.

A trama gira em torno de Cazotte, um aristocrata incumbido de uma tarefa inusitada que desafia suas habilidades mais refinadas. Originário das páginas de Blixen, o personagem ganha vida nas telas, enfrentando um dilema moral que entrelaça o destino e o desejo. A adaptação dá vida a uma das obras mais emblemáticas da escritora dinamarquesa, oferecendo uma experiência visual que se equilibra entre o estético e o emocional.

Logo na abertura, uma sequência deslumbrante de montanhas captura o olhar, preparando o terreno para uma transição gradual para cenários mais íntimos, até que uma mulher se prepara para uma partida de esgrima. A cena, carregada de simbolismo, estabelece o tom da narrativa, que flui com precisão visual até alcançar um majestoso palácio branco. Lá, um artista se concentra em retratar uma dama em trajes luxuosos, adornada com uma coroa de ouro branco. A longa sessão culmina em um momento de tensão, quando a mulher, cansada da pose, toma a iniciativa e beija o artista com uma intensidade inesperada.

Mikkel Boe Følsgaard interpreta Cazotte, que, apesar do avanço impulsivo da grã-duquesa (Sidse Babett Knudsen), mantém uma postura elegante. Essa dinâmica delicada entre desejo e recusa move a narrativa, enquanto a rejeição cortês do artista insinua um jogo de poder muito maior, que transcende a atração física e explora as desigualdades de classe.

A grã-duquesa, determinada, vê em Cazotte uma solução para o dilema que ameaça a estabilidade de seu reino fictício, Bebenhausen. Seu filho, o príncipe Lothar, interpretado por Emil Aron Dorph, precisa garantir a continuidade da linhagem, mas a pressão para produzir um herdeiro é intensa. A solução proposta envolve Cazotte, mas suas intenções complicam-se quando ele se apaixona por Ehrengard, a dama de companhia da corte.

Interpretada por Alice Bier Zanden, Ehrengard oferece um equilíbrio necessário à narrativa, proporcionando um contraste entre a pureza e a corrupção moral que permeia a aristocracia. Sua presença, ainda que pontual, traz um frescor à trama, que de outra forma poderia pender para o sombrio. No desfecho, Cazotte se encontra em Roma, aprimorando sua arte e consolidando sua reputação como o “casanova do norte”, enquanto o ciclo de intrigas e manipulações se perpetua.

O filme de August, em seus 94 minutos, entrega uma experiência cinematográfica que ressoa com o espectador, evocando sentimentos complexos. A trama, recheada de metáforas visuais e diálogos afiados, conduz o público por um percurso de intriga e desejo, oferecendo uma visão sofisticada das armadilhas da corte e dos perigos do amor.


Filme: Ehrengard: A Ninfa do Lago 
Direção: Bille August 
Ano: 2023
Gêneros: Comédia/Drama/Romance
Nota: 9/10