Fazer listas de melhores de um esporte é um esporte por si só. A Revista Bula, na condição de publicação pentacampeã brasileira, tricampeã sul-americana e bicampeã mundial em arremesso de listas a distância, propõe agora a definitiva lista dos maiores jogadores de futebol de todos os tempos. Depois de Biro-Biro, o mestre maior. Afinal, como diria Didi, o Mocó, treino é treino, jogo é jogo, e lista é lista.
O homem, a lenda, o mito. Uma somatória de Pelé, Cruyff e Ademir da Guia. Enlouquecia as fãs com seu porte másculo e elegante, um Cristiano Ronaldo com bigode de Rivelino, olhos de Beckham, coxas de Leão e cabeleira de Falcão. O dramaturgo, escritor, cronista esportivo e irmão mais novo de Mário Filho, Nelson Rodrigues afirmou que “toda unanimidade é burra”. Menos, é claro, o unânime reconhecimento de Antônio José da Silva Filho, o lendário Biro-Biro, como o maior gênio da história do futebol e de todos os outros esportes, incluindo basquete, Fórmula 1, boxe, saltos ornamentais e bocha. Foi chamado de Lero-Lero pelo presidente corintiano Vicente Matheus em função de seus feitos em campo serem tão extraordinários que pareciam “conversa para boi dormir”. Exatamente por isso muitos deles estão hoje na esfera do folclore. Humildemente, Biro-Biro preferia atuar como volante, vindo de trás para surpreender os adversários. Não era um simples cabeça-de-área, mas uma reluzente “cabeça da área”. Dono de uma juba luminosa, trazia coroas de louros naturais. Se o poeta Carlos Drummond de Andrade escreveu “o difícil, o extraordinário, não é fazer mil gols como Pelé. É fazer um gol como Pelé”, nós emendamos “e que esse gol possa ser tão perfeito e plástico quanto um gol de Biro-Biro, entende”. Um gol de Pelé é um poema, um gol de Biro-Biro é uma epopeia em versos alexandrinos. Pelé é o Rei do Futebol, Biro-Biro é o Imperador.
Vida longa ao Rei. Pelé tem os números. Pelé tem os títulos. Pelé tem as imagens gravadas. Pelé tem os depoimentos. Pelé tem músicas. Pelé xuxou a Xuxa. Pelé virou personagem de Maurício de Sousa. Pelé participou de um filme de guerra com Sylvester Stallone e Michael Caine, dirigido por John Huston. Melhor ainda: Pelé participou de um filme dos Trapalhões no auge. Pelé só tem duas coisas contra ele, o “Edson” e a superficialidade da maioria dos usuários da internet. Infelizmente, tornou-se moda nas últimas décadas questionar seus feitos. Se você é um desses que discordam da realeza de Pelé, provavelmente, é um ingênuo ou um hipster, um argentino ou, simplesmente, um racista maldito. Aceita que dói menos.
Só jogava com a camisa 14. Pela numerologia 4 mais 1 dá 5. Metade da camisa de Pelé. É o suficiente para colocá-lo logo abaixo do Rei na hierarquia. O maestro do Carrossel Holandês merecia pelo menos uma Copa. Tudo bem que não fosse em 1974, o que significaria apagar da história o merecido mundial do kaiser Beckenbauer, mas em 1978, tirando o caneco dos “Hermanos” argentinos. Infelizmente, Cruyff recusou a escalação em 1978, recusando, na prática, sua segunda chance. Resultado: a Holanda continua sendo a melhor seleção que nunca ganhou nada (sim, eu sei, tem a Eurocopa de 1988).
Originário do distrito de Pau Grande, interior do Rio de Janeiro, Garrincha, muito antes de Ronaldo, foi um fenômeno. Seu biógrafo Ruy Castro, autor do livro “Estrela Solitária”, foi processado por revelar as dimensões cavalares das partes intimas do jogador. Na verdade, Ruy Castro não foi muito preciso em sua revelação. Comentava-se a boca pequena nos vestiários do estádio General Severiano que o verdadeiro segredo das pernas tortas de Garrincha é que o atleta possuía apenas uma perna.
As crianças perguntam: quem é melhor, Maradona ou Messi? Os adolescentes perguntam: quem é melhor, Maradona ou Pelé? A verdadeira pergunta é: quem é melhor, Maradona ou Di Stéfano? Qualquer adulto bem informado sabe que é Di Stéfano. Se existe em rei no panteão de craques do Real Madrid, esse rei é Di Stéfano. Quem mais poderia ser a incontestável estrela número um numa equipe que também contava com Kopa e Puskas? O que você está resmungando? Fala alto! O que? Cristiano Ronaldo? Respeita Januário, cabra!
Falar de craque é falar de Maradona. Trata-se do segundo melhor jogador da Argentina, depois de Di Stéfano. Grande driblador, fazia gols de todos os tipos, com os pés, com as mãos, com os pés dos outros, com a boca, com o Boca e com o nariz. Preferia usar a perna esquerda, o que explica sua tatuagem de Che Guevara. Mas foi um técnico ainda melhor do que atleta. Na Copa de 2010, treinando a seleção argentina, sofreu uma vergonhosa eliminação nas quartas-de-final e mesmo assim foi festejado ao retornar para casa. É muito amor!
Para muitos especialistas, Puskas é fruto de uma experiência genética comunista. Um tipo de projeto supersoldado do futebol científico alardeado pela URSS. Os Estados Unidos tinham o Capitão América, a Hungria tinha seu Major Galopante. Seu chute superpotente tinha o apelido de “canhãozinho pum” e só pode ser comparado com as patadas lendárias de Rivelino, Roberto Carlos e Branco. Diz a lenda que foi um de seus chutes que derrubou o Muro de Berlim, provocando uma onda de choque tão poderosa que transformou Pedro Bial de respeitado repórter em poeta, cineasta e apresentador do Big Brother Brasil.
Por trás de todo grande time alemão há um grande líbero, e o Kaiser foi o maior de todos. Se Pelé quebrou o braço de um adversário, Beckenbauer jogou uma de suas maiores partidas com um braço enfaixado, na semifinal contra a Itália na Copa de 1970. Perdeu esse jogo, mas ganharia a Copa seguinte, desmontando o Carrossel Holandês, transformando em bagaço a Laranja Mecânica. Beckenbauer jogou ao lado de Pelé no time amador Cosmos de Nova York. Dessa vez sem braços quebrados.
Três jogadores ganharam Copas quase sozinhos: Garrincha em 1962, Maradona em 1986 e Romário em 1994. O Baixinho não treinava e jamais foi visto correndo atrás da bola. Só ia em bolas boas. Seu talento foi tão grande que irradiava aos companheiros de time, fazendo, por exemplo, que Bebeto parecesse um craque. Fora tudo isso, Romário ainda teve a presença de espírito para tirar o traseiro do rumo do chutão de Branco na Copa de 1994! Merecia ter sido campeão novamente em 2002 e, quem sabe, teria evitado os desastres de 1998 e 2006. Abre o olho, Amaral!
Zico é o Tony Ramos do futebol. Todo mundo gosta dele, reconhece seu talento e bom caráter. Sempre que lamentamos os fracassos de 1982 e 1986, lamentamos, sobretudo, por Zico. A falta de uma Copa parece não afetar muito aos outros craques de sua geração, como Sócrates, Falcão ou Júnior, mas sempre representou um peso para o Galinho. Com uma Copa, talvez Zico tivesse a estatura de um Garrincha, sem Copa é alvo fácil para as piadas de Romário, sendo seu principal escudo a memória afetiva do pessoal acima de trinta anos. Não sei quanto tempo essa blindagem vai durar. Para as novas gerações, que se lembram no máximo dos tempos de Ronaldinho Gaúcho no Barcelona, a tendência é achar que esse tal de Zico é apenas uma lenda. O perigo é Zico ficar marcado como o melhor jogador que errou um pênalti decisivo. O segundo melhor seria Túlio Maravilha. O terceiro Roberto Baggio.
O terceiro melhor jogador argentino, depois de Di Stéfano e Maradona. Para muitos é um clone do segundo, uma vez que possui a altura de Maradona, a habilidade de Maradona e o peso de Maradona aos 12 anos de idade. Como diferenciá-los? O que tem uma Copa é Maradona. Injustiça? Talvez. Mas sem uma Copa do Mundo, título que parece cada vez mais distante, o mais provável é que Messi se transforme no Zico da Argentina.
Geralmente, o Doutor não aparece nos primeiros lugares nas listas dos grandes craques da história do futebol. Essa injustiça se deve pela tendência monarquista do esporte bretão, cheio de reis de Roma, príncipes do Parque, imperadores e kaisers. Por esse preconceito, o talento revolucionário de Sócrates, atleta de tendências republicanas, membro fundador da Democracia Corinthiana, não recebeu os devidos créditos. O que fazer? Quem se importa? O Doutor pouco ligava. Filosoficamente, Sócrates acendia um cigarro, abria uma cerveja e ia escutar um samba. Assim como seu predecessor grego, nosso Sócrates Brasileiro era uma mosca ferroando o imenso traseiro preguiçoso da Fifa.
O Zico da França. Assim como o brasileiro, Platini é um grande craque sem Copa. Mas os dois jogadores têm ainda mais em comum: se Zico é o nosso Galinho de Quintino, o símbolo da Seleção Francesa é o galo. Os dois se enfrentaram no mundial de 1986, com vitória do francês, que só pôde cantar de galo até o jogo seguinte, quando sua equipe foi derrotada pela Alemanha Ocidental nas semifinais.
O senhor Spock que jogava futebol. Conhecido por ser frio e cerebral, foi também um jogador cabeçudo. Especializou-se em usar a cabeça de três formas diferentes. Primeiro para comandar o meio de campo da Juventus, do Real Madrid e da Seleção Francesa. Segundo para fazer gols de cabeça especialmente contra a Seleção Brasileira. Terceiro para acertar cabeçadas no peito de zagueiros italianos impertinentes. Seu corte de cabelo com tonsura (a calvície no alto do crânio) foi uma customização que ele fez no famoso cabeleireiro Jassa para melhor realizar suas habilidades cerebrais, pois retira o atrito, aumenta o impacto e diminui a resistência do vento.
Ronaldo teria sido quase um Pelé se não fosse a narração de Galvão Bueno. Maradona, trabalhando como comentarista na copa de 1998, disse que Ronaldo “pode ser um craque, mas lhe falta algo”. Por outro lado, Zico declarou que “falem o que quiserem, mas ninguém dribla curtinho em velocidade como ele”. Polêmicas à parte, Ronaldo foi nosso último jogador a merecer o título de gênio da bola. Ronaldinho Gaúcho poderia ter chegado lá, mas parece ter desistido; a timidez atrapalhou Rivaldo; Neymar ainda está galgando degraus. Em seus altos e baixos, contusões e confusões, Ronaldo foi mesmo um fenômeno. Viu, é possível escrever sobre Ronaldo sem falar em excesso de peso e travestis (epa!).
O Rubens Barrichello do futebol. Assim como nosso querido Rubinho, que foi ofuscado por Schumacher, Eusébio seria muito maior se não tivesse sido contemporâneo do gênio Pelé. Claro que também contribuiu o fato dele ter jogado toda a carreira em Portugal e depois, semiaposentado, nos Estados Unidos, Canadá e México. Pensando bem, além de “Rubens Barrichello do futebol” também pode ser chamado de “Cristiano Ronaldo sem agente”.
Segundo a lenda, Friedenreich marcou 1329 gols entre 1909 e 1935. O pesquisador Alexandre da Costa refez as contas, a partir de registros oficiais e da imprensa da época, e chegou no plausível número de 554 gols. Contudo, a história não termina aqui. Os 775 gols descontados do cartel de Friedenreich foram, na verdade, marcados por Biro-Biro e extraviados por uma sucessão de erros de preenchimento de súmulas. Segundo consta, uma comissão da Fifa estuda a possibilidade de devolver a Biro-Biro os gols perdidos. Qualquer dúvida quanto a autenticidade dessa informação, tanto no aspecto lógico quanto cronológico, sugerimos que encomende uma nova pesquisa a Alexandre da Costa.
No começo da carreira, Pelé foi chamado de “Domingos da Guia do ataque”. Domingos, um de nossos maiores zagueiros, também tinha ótimos cromossomos. Seu filho Ademir, o maior injustiçado da história da Seleção Brasileira (depois de Biro-Biro e antes de Alex), era o “Pelé do Palmeiras”, time que dava trabalho para o Santos na época. O Divino Mestre foi maestro da Academia palmeirense, fazendo por merecer um poema de João Cabral de Melo Neto, o Pelé da poesia.
Só para incluir um inglês na lista. Eles inventaram o esporte, afinal. Brincadeira, sir Bobby merece! Não apenas por ser um grande craque ou por ter escapado da morte em um acidente de avião que vitimou oito jogadores do Manchester United em fevereiro de 1958, mas, principalmente, por ser o maior representante do fair play no futebol. Aplausos para o gentleman Bobby Charlton. E parem de reclamar, Rivelino, Didi, Ronaldinho Gaúcho, Nilton Santos, Leônidas, Falcão, Best, Matthews, Van Basten, Cristiano Ronaldo e, principalmente você, Gérson, sei que a lista está acabando e não tem lugar para todos, mas nem sempre se pode levar vantagem em tudo.
O goleiro é o baterista do futebol. Mesmo assim, Lev Ivanowicz Yashin (nome de personagem de Tolstói), o Aranha Negra, conseguiu a façanha de receber a Bola de Ouro de melhor jogador da Europa em 1963, um feito inédito. Também foi considerado o melhor goleiro das copas de 1958, 1962 (eu votaria no Gilmar) e 1966, e das Olimpíadas de 1956, 1960 e 1964. O Aranha Negro podia até ser comunista (ou trabalhar para os comunistas), mas isso sim é o que se pode chamar de monopólio.