O filme da Netflix é um sopro de vida e vai acalmar sua alma Divulgação / Netflix

O filme da Netflix é um sopro de vida e vai acalmar sua alma

As encruzilhadas emocionais que envolvem o amor, mesmo com alguns retoques ao longo dos séculos, permanecem essencialmente as mesmas. As pessoas continuam a se lançar nesse labirinto afetivo, ignorando as implicações que um relacionamento traz, especialmente quando surge nos momentos mais inesperados. Enquanto a humanidade avança em inovações revolucionárias, empreendimentos audaciosos e descobertas científicas que retardam o inevitável fim, o ser humano não se abstém de destruir a si mesmo e aos outros. A ciência, a medicina, a arquitetura e, claro, as expressões artísticas seguem na missão de transformar o homo sapiens em uma espécie mais evoluída. No entanto, em várias partes do mundo, guerras continuam a ser travadas, muitas vezes entre compatriotas, a injustiça social é flagrante e a fome persiste em uma escala alarmante. Assim, parece que o maior desafio da humanidade é enfrentar sua própria natureza predatória. E, mesmo diante desse cenário de autossabotagem, o amor sobrevive, evidenciando sua autenticidade inabalável e seu poder de resistir ao caos.

O cineasta turco Soner Caner resgata uma tradição cinematográfica consagrada com a comédia dramática “Na Sinfonia do Coração” (2022), uma celebração emotiva do sentimento mais humano. Ele explora um dos conflitos mais típicos das relações amorosas, retratando a vida de um casal que jamais deveria ter se formado, e utiliza isso como ponto de partida para investigar como o amor parece manipular as circunstâncias, conectando duas almas, mesmo que perdidas em um mar de ilusões. Em sintonia com outras narrativas que mesclam o drama e o humor, como em “Mucize” (2015) de Mahsun Kırmızıgül, Caner constrói seu roteiro de maneira precisa e utiliza a fotografia marcante e os efeitos visuais de Catagay Simsek para capturar a atenção do público. Cada elemento é calculado para garantir o envolvimento da audiência, criando uma harmonia visual e emocional que torna o filme uma experiência singular. A espontaneidade e o controle coexistem, definindo o êxito ou o fracasso da obra, sem comprometer a essência da história.

Em sua narrativa, Caner foca nos doms, uma tribo de ciganos nômades com talentos artísticos singulares. Entre eles, destaca-se Piroz, interpretado por Erkan Kolçak Köstendil, que encanta os habitantes das aldeias por onde passa com seu violino, seja em cerimônias de casamento ou luto. Durante uma dessas passagens, na desconhecida Turquia rural, Piroz conhece Sümbül, uma jovem prometida em casamento a um homem que não ama, papel de Hazar Ergüçlü. A partir dessa atração proibida, Caner tece a trama com sutileza, até que o inevitável choque cultural acontece e o vilarejo reage. O casamento não é oficializado, mas a desonra que recai sobre Sümbül a transforma em um fardo para sua família, que resiste ao relacionamento entre ela e o inquieto Piroz. A questão da honra, tão relevante em sociedades tradicionais, toma proporções trágicas quando Seymen, personagem vivido por Nazmi Kirik, decide intervir, disposto a arriscar sua vida para “restaurar” a honra da mulher.

Embora o filme pareça, à primeira vista, uma fábula sobre costumes arcaicos, Caner ultrapassa essas fronteiras ao abordar sentimentos universais. O filme ressoa com públicos de diferentes culturas, transcendendo possíveis barreiras regionais e se destacando como uma produção que dialoga com valores humanos atemporais. O diretor, com maestria, transporta a audiência para um cenário ao mesmo tempo exótico e familiar, refletindo sobre as forças que movem a humanidade, seja no passado ou no presente.


Filme: Na Sinfonia do Coração
Direção: Soner Caner
Ano: 2022
Gêneros: Drama/Comédia/Musical
Nota: 8/10