A infância carrega consigo as primeiras transformações que moldam o futuro, e, em “Conta Comigo”, Rob Reiner conduz o público por um caminho que oscila entre a serenidade e a turbulência dessas descobertas. Quatro garotos, com suas singularidades, percorrem uma jornada que evita o óbvio e o previsível, ao mesmo tempo que desafia o espectador a mergulhar nas nuances de suas experiências. Reiner, ciente de que essas figuras já nos são familiares, constrói uma narrativa que exige reflexão, sem pressa em revelar plenamente as personalidades que compõem esse grupo, até que se tornem tão transparentes que é impossível não nos identificarmos. O filme transcende o peso da experiência e convida o coração a abandonar seus medos, permitindo que a leveza dos momentos vividos pelos personagens nos conduza.
A adaptação de Bruce A. Evans e Raynold Gideon para o conto “O corpo”, de Stephen King, preserva elementos de suspense característicos do autor, mas apenas de forma pontual. Na maior parte, o filme aposta em uma narrativa fluida e natural, onde episódios paralelos se integram de maneira orgânica, como os relatos imaginativos das crianças. A trama se desenrola a partir de um flashback que revela a trágica morte de Christopher Chambers, personagem de River Phoenix, mas a brutalidade desse evento é suavemente inserida no enredo. Ao mesmo tempo, Gordie Lachance, vivido por Wil Wheaton, emerge como o centro da história, assumindo o papel de alter ego de King, um garoto introspectivo que, em meio à rejeição familiar e às inseguranças da adolescência, encontra refúgio na escrita. Em uma tarde de verão de 1959, Gordie e seus amigos partem em busca do corpo de Ray Brower, cujas circunstâncias de vida ecoam de forma surpreendente nas suas próprias.
A icônica cena da travessia dos trilhos sobre o rio Willamette marca um ponto de virada no filme, onde os garotos, liderados por Chris, enfrentam a morte de perto. Reiner habilmente explora as metáforas de King — crianças em fuga do confronto com a morte; amizades que se sustentam em um equilíbrio frágil; e os trilhos, símbolo da jornada humana. Ao final, a revelação sobre Ray Brower lança uma luz dolorosa sobre a breve e trágica trajetória do rapaz, enquanto Gordie/King deixa claro seus sentimentos sobre si, sua família e as feridas que jamais poderão ser curadas.
“Conta Comigo” é um retrato poderoso sobre o crescimento e as mudanças dolorosas que ele traz. Todos somos, em algum momento, Gordie Lachance, até que o Stephen King dentro de nós desperta e nos força a enfrentar as duras realidades da vida. Esse é o ponto de virada, o momento em que deixamos a infância para trás e aceitamos as responsabilidades do amadurecimento.
Filme: Conta Comigo
Direção: Rob Reiner
Ano: 1986
Gêneros: Aventura/Drama
Nota: 9/10