O filme de ação francês mais assistido da história da Netflix Julien Goldstein / Netflix

O filme de ação francês mais assistido da história da Netflix

A humanidade, desde tempos imemoriais, tem a inclinação por identificar entre os mortais figuras que parecem transcender o comum, assumindo uma aura que beira o mítico. O homem está constantemente em busca de uma compreensão mais profunda que possa guiá-lo rumo à sabedoria interior, fornecendo alguma pista concreta sobre como atingir o autoconhecimento. Esse processo é essencial para construir defesas internas, barreiras que protegem o espírito contra a imundície e crueldade do mundo exterior. O primeiro passo, lento e doloroso, não passa de uma preparação para algo maior: a etapa em que o indivíduo se afirma verdadeiramente diante de si mesmo. A percepção do fracasso, por sua vez, é uma das forças mais corrosivas que podem afetar o ser humano, arrogante e atormentado por suas falhas inescapáveis. Desistir de um objetivo, independentemente dos motivos, traz consigo o cheiro de derrota, uma afronta à própria essência da existência. Quando o ser humano está prestes a ceder à fraqueza, é exatamente a noção de que existem propósitos maiores que nos impedem de abandoná-los, forçando-os a emergir em algum momento, inevitavelmente.

Até mesmo os heróis têm suas provações, e talvez essa seja sua principal característica. Superar tragédias pessoais muitas vezes depende mais de uma postura pragmática do que de pura determinação. É preciso atravessar sentimentos destrutivos, mas incrivelmente persistentes, que bloqueiam o caminho adiante, passos que são indispensáveis para restaurar a nobreza da vida. Essa escolha, difícil e transformadora, permite que novas experiências, mesmo que não inteiramente alegres, tragam uma nova paleta emocional. Para os comuns mortais, isso pode ser suficiente, mas os heróis, movidos por uma lógica distinta, não se acomodam. Este é um dos aspectos que se destaca em “Bala Perdida 2” (2022), sequência do thriller de ação do diretor francês Guillaume Pierret, que continua a trajetória de vingança e redenção, embalada por ressentimentos profundos.

O filme retorna ao ponto onde o primeiro longa de 2020 parou, porém sem flashbacks, apenas com menções à redenção de Lino, o mecânico de talentos excepcionais vivido por Alban Lenoir. O roteiro, coescrito por Pierret e Lenoir, expõe com clareza os momentos onde cada autor tem maior influência, como nas cenas de hospital onde Lino, ainda em recuperação, recebe o apoio da investigadora Julia, interpretada por Stéfi Celma. A relação entre os dois permanece nebulosa, sempre à beira de uma possível evolução romântica que nunca se concretiza. Quando Lino reaparece, usando uma jaqueta desgastada com a frase “Pride or Die” em inglês, enfrentando adversários incansavelmente, fica claro que Lenoir dá vida ao personagem de forma expansiva. No entanto, este foco exacerbado nas cenas de ação — tiroteios, lutas corporais e perseguições — conduz o espectador a uma espécie de vácuo narrativo, até mesmo para aqueles que apreciaram o filme original.

Apesar do ritmo acelerado e da ausência de justificativas bem delineadas para a violência, a presença de Lenoir mantém a trama em movimento. Seu desempenho, por si só, justifica a continuidade da história, ainda que a necessidade de uma sequência pareça questionável. Embora um terceiro filme possa ser especulado, talvez não seja sábio estender a trama de forma indefinida.


Filme: Bala Perdida 2
Direção: Guillaume Pierret
Ano: 2022
Gêneros: Ação/Policial/Thriller
Nota: 8/10