Ganhador do Oscar e indicado a 121 prêmios, o filme que levou 50 milhões aos cinemas está no Prime Video Divulgação / Diamond Films

Ganhador do Oscar e indicado a 121 prêmios, o filme que levou 50 milhões aos cinemas está no Prime Video

Tudo é muito formulaico e mágico em “Green Book: O Guia”. Na Nova York dos anos 1960, Tony Vallelonga (1930-2013) é segurança do célebre dancing Copacabana, conhecido de “Os Bons Companheiros” (1990), de Martin Scorsese. Tony Lip, o bom de lábia, como o chamam os muitos amigos, consegue tudo o que quer com uma conversa, mas sabe usar a força bruta direitinho se necessário. Como o Copacabana vai ficar um tempo fechado e Tony, chefe de uma família numerosa, não pode se dar ao luxo de ficar sem trabalho, ele aceita servir de chofer e guarda-costas para o refinado Don Shirley (1927-2013), talentoso pianista negro que se prepara para uma turnê no sul dos Estados Unidos. A partir daí, Peter Farrelly, um dos cineastas mais versáteis de Hollywood, desenvolve uma das histórias mais divertidas, magnéticas e surpreendentes sobre o alcance do racismo em todos os estratos da sociedade americana, mas não só. 

Esse choque entre dois mundos que gera um universo novo, tentando ignorar a política de segregação racial que determina o que cidadãos afro-americanos podem ou não fazer e onde devem se hospedar em viagens ao sul, normas publicadas numa caderneta de capa verde-esmeralda, poderia ser apenas mais um delírio da prática abjeta de separar negros e brancos, reservando a estes privilégios com que os primeiros só podiam sonhar, porém é de fato um dos tantos capítulos obscuros da luta por igualdade de um povo exilado em sua própria terra, narrado por Victor Hugo Green (1892-1960) em “The Negro Motorist Green Book” (“o livro verde do motorista negro”, em tradução literal), de 1936. O roteiro de Farrelly e Brian Hayes Currie contou com as valiosas colaborações de Nick Vallelonga, filho de Lip e atento observador da hipocrisia do tempo de seu pai, um passado que, lamentavelmente, insiste em não passar.

A malandragem de Tony é de grande valia para Shirley, e a sofisticação do músico não deixa de ser absorvida, mesmo que por osmose, pelo carcamano brucutu, numa troca que acaba virando o pulo do gato aqui. À medida que vão se conhecendo, vão também se estranhando, ao passo que reconhecem as afinidades que alicerçam um laço improvável, mas sólido. A exemplo de Shirley, Tony não pode se definir como um americano típico, já que é ítalo-descendente e católico; o pianista, por sua vez, enxerga no empregado um homem digno, que como ele não tem medo de trabalho e que constituiu uma família unida, feito cujo valor aquele artista solitário reconhece. Todo o enredo é costurado por essas passagens, ora sob o ponto de vista do segurança, ora priorizando as opiniões — e preconceitos — de Shirley, que vai se tornando cada vez mais tolerante com Tony conforme identifica suas próprias fraquezas. O resultado final poderia resvalar num pastelão melodramático, não fossem o talento e a sensibilidade de Mahershala Ali, vencedor do Oscar de Melhor Ator Coadjuvante, e Viggo Mortensen, igualmente merecedor de uma estatueta, que não veio para ele. Ainda assim, “Green Book: O Guia” foi o melhor filme para os votantes da Academia naquela histórica 91ª edição. Memorável o feito, inesquecível a razão.


Filme: Green Book: O Guia
Direção: Peter Farrelly
Ano: 2018
Gêneros: Drama/Comédia 
Nota: 9/10