Baseado no determinismo metafísico de Baruch Spinoza, a melhor comédia romântica dos últimos 2 anos está na Netflix Felicia Graham / Netflix

Baseado no determinismo metafísico de Baruch Spinoza, a melhor comédia romântica dos últimos 2 anos está na Netflix

O tempo, por si só, não traz garantias. Sócrates, lá na antiga Grécia, foi quem primeiro apontou o vazio que a velhice pode carregar ao revelar que, à medida que os anos se acumulam, o ser humano sensato apenas se aproxima da percepção de sua própria ignorância. Sem mais contar com a energia da juventude, a chama da curiosidade pelo desconhecido vai perdendo sua força, dificultando o crescimento interior. A mortalidade paira sobre a humanidade, tal como moscas rondam um prato amargo, mas é o acaso que, antes de qualquer coisa, se infiltra silenciosamente em todas as culturas e em todos os grupos. Lidamos diariamente com esse fator imprevisto, tentando evitar suas armadilhas, mas também aproveitando as concessões inesperadas que nos oferece, tornando momentos fugazes em legitimadores de toda uma trajetória. O verdadeiro risco da juventude pode estar justamente na necessidade de distinguir, em frações de segundo, quando o inesperado está a nosso favor ou se é apenas um disfarce sedutor do fracasso.

Wanuri Kahiu, cineasta queniana, ganhou destaque no cenário internacional com “From a Whisper” (2009), laureado com cinco prêmios no African Movie Academy Awards, incluindo Melhor Filme e Melhor Direção. Em “Como Seria Se…?” (2022), Kahiu reafirma seu talento com a história de uma mulher em busca de autoconhecimento. As escolhas da protagonista, embora compreensíveis, provocam uma inquietação inevitável. O filme lembra produções como “De Caso com o Acaso” (1998), de Peter Howitt, e “Mais ou Menos Grávida” (1988), de John G. Avildsen. No entanto, Kahiu imprime um tom mais direto, com resoluções que beiram a frieza. O roteiro, habilmente construído por April Prosser, aposta numa sensação recorrente de déjà vu, levando o público a questionar se algum fato verdadeiramente inesperado surgirá.

A narrativa acompanha a trajetória de Natalie, uma jovem aspirante a ilustradora e diretora de animação, interpretada com sensibilidade e força por Lili Reinhart. No início, Natalie se apresenta cheia de planos para o futuro e vive um episódio casual com seu melhor amigo Gabe (Danny Ramirez), o que serve de ponto de partida para a trama. Kahiu trabalha o conceito de realidades paralelas, dividindo a tela para mostrar dois possíveis futuros de Natalie: um em que ela cria seu filho sozinha, e outro em que segue para Los Angeles em busca de seus sonhos profissionais. Cada uma dessas opções traz suas próprias dificuldades, forçando a personagem a enfrentar humilhações ocasionais e desafios diários.

De um lado, viver na casa dos pais, interpretados com competência por Luke Wilson e Andrea Savage, é um fardo. Do outro, a aventura em Los Angeles rapidamente se transforma em um pesadelo, enquanto Natalie tenta se ajustar ao mundo superficial de Hollywood. Lá, ela encontra Jake, personagem de David Corenswet, que logo se torna seu interesse amoroso. Apesar de o arco de Jake, bem como os de Gabe e Cara (Aisha Dee), não serem tão desenvolvidos, Prosser foca completamente na trajetória da protagonista. A relação entre Natalie e sua chefe abusiva Lucy, interpretada por Nia Long, também explora o desgaste no mundo corporativo.

No final, as duas trajetórias de Natalie parecem se fundir, e ela emerge como uma profissional bem-sucedida, finalmente ao lado de seu grande amor, enquanto os outros personagens se tornam irrelevantes. Apesar das falhas no desenvolvimento das subtramas, o filme oferece momentos brilhantes, repletos de referências a obras-primas da animação, como “A Viagem de Chihiro” (2001). Esses detalhes conferem uma certa profundidade a uma produção que, no fundo, é voltada ao entretenimento.


Filme: Como Seria Se…?
Direção: Wanuri Kahiu
Ano: 2022
Gêneros: Comédia/Drama/Romance
Nota: 8/10