Lady Chatterley, uma mulher refinada e influente na sociedade britânica do pós-Primeira Guerra Mundial, se vê atraída por um jardineiro singular. Mais do que sua aparência ou educação, é a simplicidade mágica que ele oferece que a cativa, preenchendo um vazio em seu casamento sem paixão. “O Amante de Lady Chatterley” não é apenas uma história de amor; é uma análise profunda sobre o poder silencioso do ódio, que, disfarçado de amor, se espalha com sutileza, destruindo de forma quase imperceptível. A adaptação de Laure de Clermont-Tonnerre traz à vida uma das histórias mais envolventes da literatura, evocando uma era em que as emoções eram mais cruas e intensas, tanto no amor quanto no ódio.
A personagem-título, Constance Reid, destaca-se mais que seu amante, Mellors, o que revela a mensagem de Lawrence sobre as dinâmicas de gênero. Na figura de Constance, percebe-se uma mulher à frente de seu tempo, que, apesar de viver em um mundo onde a igualdade de gênero ainda era uma miragem distante, ousa desafiar as convenções. O roteiro esconde parte do passado da protagonista, mas Lawrence enfatiza que, antes de se casar com Clifford Chatterley, ela já havia experimentado o amor em outras relações. A Constance da tela, interpretada por Emma Corrin, carrega uma sensualidade quase provocativa, um traço fiel ao espírito da obra original, embora ousado para sua época.
Lawrence permite que o público faça seus próprios julgamentos sobre Connie e Clifford, um homem fragilizado pela guerra e pela incapacidade física que o leva a buscar isolamento em uma propriedade remota. Clermont-Tonnerre retrata com maestria esse desejo de morte, contrastando com a inquietação de Constance, que também se sente aprisionada naquele ambiente sombrio. A interpretação de Corrin faz com que o público simpatize com a resignação destrutiva de sua personagem, até que um encontro inesperado muda o rumo da história. A revelação de Clifford sobre a impossibilidade de uma relação íntima elimina as últimas esperanças de Constance de ter um casamento pleno.
A entrada de Oliver Mellors na trama é simbólica. Como o guarda-caça de Wragby, ele parece deslocado naquele ambiente, mas logo se torna o foco das atenções de Constance. Jack O’Connell brilha no papel, trazendo profundidade a Mellors, um homem marcado pela guerra e pelo abandono. Sua relação com Constance evolui de maneira gradual e autêntica, sem deixar espaço para interpretações maliciosas. Mellors, embora socialmente inferior, demonstra uma riqueza interior admirável, revelando um apetite literário surpreendente, que fascina Constance.
O romance entre Constance e Mellors é marcado pela intensidade, mas também pela delicadeza. Não se trata apenas de uma paixão física, mas de uma conexão profunda que transcende as convenções sociais. Lawrence constrói esse relacionamento de maneira cuidadosa, permitindo que os leitores — e, nesse caso, os espectadores — testemunhem a transformação de ambos os personagens. Mellors, que retorna da guerra como um oficial empobrecido e desiludido, encontra em Constance uma parceira que compartilha de sua sede por algo mais significativo do que o que a sociedade oferece.
A narrativa se desenrola com precisão, abordando temas como a desigualdade de classe e as expectativas de gênero de maneira sutil, mas impactante. A adaptação de Clermont-Tonnerre respeita esses temas centrais, mas adiciona camadas de emoção que tornam a experiência cinematográfica ainda mais rica. A química entre Corrin e O’Connell é palpável, e a forma como a diretora explora os momentos de silêncio entre os personagens fala volumes sobre o que não é dito, mas sentido.
Ao longo do filme, a tensão entre o desejo pessoal e as expectativas sociais se intensifica. Clifford, imerso em sua própria amargura, não consegue perceber a profundidade do relacionamento entre sua esposa e Mellors até que seja tarde demais. O destino trágico do casal é selado quando suas interações clandestinas são descobertas, levando a um desfecho que é, ao mesmo tempo, doloroso e libertador.
“O Amante de Lady Chatterley” não é apenas uma história de traição ou desejo. É uma obra que desafia os limites do amor e do ódio, da liberdade e da opressão, enquanto explora as complexidades da alma humana. A adaptação de Clermont-Tonnerre é um testemunho poderoso da relevância contínua da obra de Lawrence, trazendo à tona questões que, apesar de serem ambientadas em um contexto histórico específico, ainda ressoam profundamente no mundo moderno.
Filme: O Amante de Lady Chatterley
Direção: Laure de Clermont-Tonnerre
Ano: 2022
Gêneros: Romance/Drama
Nota: 9/10