Premiadíssimo, o melhor filme tailandês do último ano acaba de chegar à Netflix e vale cada segundo do seu tempo

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“Morrison” é mais uma das felizes surpresas do cinema tailandês. Esta é decerto uma das manifestações da indústria cultural que mais subverte o óbvio, levando o público a análises e sentimentos fora do previsível e até do desejado, se consolidando como um veículo potente, capaz de nos fazer revelações quase cartesianas quanto ao modo tão pouco cortês de que lança mão a vida para afogar-nos no oceano de mágoas que nós mesmos criamos. Aqui, Phuttiphong Aroonphengrevolve chagas profundas, de pelo menos quatro décadas, a partir das lembranças de um homem sozinho em busca de sua história. O diretor-roteirista, vencedor do Prêmio de Melhor Filme na seção Orizzontiem Veneza, mistura o desânimo do personagem central aos resquícios da presença americana no Sudeste Asiático na esteira da Guerra do Vietnã (1955-1975), justamente quando toma corpo a grande paixão que desemboca nessa procura inútil e algo doentia. 

No começo dos anos 1980, o Paradise Hotel, incrustado na selva tailandesa, era referência para aqueles que não abriam mão de estar perto da natureza sem ter que de deixar o conforto de lado. Foi nesse éden pouco usual, junção do selvagem com o romântico, que os pais de Jimmy se conheceram, e agora, passados mais de quarenta anos, ele está parece querer acertar as contas com seus mortos, ele mesmo um espectro do que fora há alguns anos. Aroonpheng menciona a certa altura que Jimmy fora o líder de um conjunto de rock, mas o protagonista também avisa que abandonara a carreira artística por não saber cantar como Jim Morrison (1943-1971), logo o que de fato interessa é o enredo que dá novo fôlego àquele amor esquecido, de uma cantora local e um soldado americano que ele jamais pudera conhecer. ChulachakChakrabongse incorpora essa alma aflita, mas a não a única a perambular pelos dédalos do Paradise. Paulatinamente, Aroonpheng decifra também a figura da prostituta vivida por Chicha Amatayakul, e de John, o tal ex-combatente do exército dos Estados Unidos, cada qual guardando seus segredos. Radicado na Tailândia, Joe Cummings é um elemento discreto, mas vigoroso, num trabalho cheio de referências metalinguísticas,  de “O Iluminado” (1980), dirigido por Stanley Kubrick (1928-1999), a “Asas do Desejo” (1987), de Wim Wenders, exemplos diversos, mas complementares do onirismo que o cinema ressuscita de quando em quando.


Filme: Morrison
Direção: Phuttiphong Aroonpheng
Ano: 2023
Gêneros: Drama/Fantasia
Nota: 9/10