Dando sequência às minhas incursões pela OSESP, pude comemorar seus 70 anos de existência juntamente com todos que lá estiveram para cumprimentar essa grandiosa orquestra, que traz louros atrás de louros para a nossa tão condoída cultura.
Recentemente, excursionou pela Europa, apresentando-se no Festival Internacional de Santander, na Espanha; no Edinburgh International Festival, na Escócia; no Summerconcerts Festival, em Amsterdã, na Holanda; no Rheingau Musik Festival, em Wiesbaden, na Alemanha, e, por fim, no Musikfest Berlin, no Philharmonie Berlin, também na Alemanha. As apresentações incluíam sempre peças de Villa-Lobos ou de Camargo Guarnieri.
Tamanha façanha enche de orgulho qualquer brasileiro que pensa um pouco em cultura.
Me esgueirei das bodas septuagenárias da OSESP com o fito de aplaudir, em pensamento, o grande feito, ora transcrito, dessa maravilhosa orquestra.
De retorno ao assunto do título deste ensaio, vou me ater à segunda peça musical tocada neste grande dia, e me restrinjo a ela por ter um significado muito grande em minha formação global.
Estávamos em 1978, eu, à época cursando o segundo ano da Faculdade de Medicina e já muito ligado à música, quando me deparei com um disco de Edu Lobo, recém-lançado, no qual havia uma música que, de súbito, me causou enorme estranheza. Afinal, era uma música clássica de Villa-Lobos com poema de Ferreira Gullar, “O Trenzinho do Caipira”, a “Tocata da Bachiana nº 2”. O arranjo ficou maravilhoso, como tudo o que Edu já fez.
Intrigado fiquei, pois um poema advindo de “Poema Sujo”, de Ferreira Gullar, era inimaginável que pudesse ter a influência de Villa-Lobos. Mas tinha!
Gullar relata que ouviu Villa-Lobos por influência de sua primeira mulher e que, quando ouviu a “Tocata da Bachiana nº 2”, lembrou-se, como se fosse uma pintura, das viagens de trem que empreendia com seu pai, comerciante ambulante, entre São Luís e Teresina. Durante 20 anos, tentou de todas as maneiras escrever uma letra para aquela música, sem êxito. A redigiu em 1975, em 20 minutos, sempre lembrando das viagens que havia feito na companhia do pai, e, em 1977, Edu Lobo a incorporou à música de Villa-Lobos e a gravou, o que acarretou na popularização da “Bachiana nº 2”.
A música, por si só, foi composta em 1930, período pós-Retour à Bach, movimento iniciado por Stravinsky no início do século 20, que, por conseguinte, colocou Villa-Lobos entre os maiores expoentes da música clássica da época. Esse movimento trouxe à tona a suma importância de Bach para a música, tendo como carro-chefe a “Paixão Segundo Mateus”, a qual mencionei em outro artigo sobre a OSESP.
Pois bem, Villa-Lobos, que já havia se inserido na Semana de Arte Moderna, também o faz agora na tão propalada antropofagia de Oswald de Andrade, quando, com sua criatividade, une a música do maior compositor alemão de todos os tempos à tradição rural brasileira ao compor as nove suítes orquestrais, conhecidas e nominadas como as Bachianas de Villa-Lobos. São o que há de mais precioso na história de nossa música clássica.
Por fim, “O Trenzinho do Caipira” nos traz a música de Bach aliada ao movimento do trem que conduz o caipira. A orquestra serpenteia o trilho do trem que se inicia na estação e, com o aumento da velocidade, os instrumentos vão se imiscuindo na representação onomatopeica do trem até sua chegada a outra estação, guarnecidos por uma melodiosa música genuinamente de origem bachiana.
Este foi mais um capítulo de meu périplo pelo sucesso notável da OSESP. O brasileiro ainda tem do que se orgulhar!
Fato é que as emoções fluem e se extravasam nesse emaranhado musical pelo qual tenho passeado.