Última chance para assistir na Netflix a maior história de amor da literatura e do cinema Divulgação / Focus Features

Última chance para assistir na Netflix a maior história de amor da literatura e do cinema

Poucos autores foram capazes de refletir com tanta profundidade sobre a complexidade do amor quanto Jane Austen (1775-1817), e suas personagens, de certo modo, são uma extensão de si mesma. Austen, uma das grandes observadoras das injustiças e pressões que moldavam a sociedade de sua época, especialmente no que se referia às mulheres, só teve seu talento devidamente reconhecido após sua morte, ocorrida em 18 de julho de 1817, aos 42 anos, em decorrência da doença de Addison, uma condição autoimune pouco compreendida na época.

“Orgulho e Preconceito”, publicado em 1813, tornou-se um canal por meio do qual Austen expressou sua aspiração por uma sociedade mais equitativa, onde mulheres como Elizabeth Bennet pudessem florescer. Elizabeth, a protagonista deste icônico romance britânico do século 19, é uma personagem que, embora sonhadora, jamais compromete sua liberdade, sua integridade mental e, acima de tudo, sua honra. Austen infundiu suas personagens com uma paixão latente que, apesar das limitações de seu tempo, revelava seu desejo por amor e igualdade.

A obra de Austen, no entanto, é mais do que uma simples narrativa sobre romance; é uma crítica social profunda, como vemos na adaptação de Joe Wright, que captura com precisão a dualidade emocional da autora. Em sua versão de “Orgulho e Preconceito”, Wright adota a tensão existente entre criadora e criação, transformando Elizabeth Bennet, interpretada por Keira Knightley, em uma figura emblemática de liberdade emocional.


A caminhada de Lizzie, livro em mãos, pelas paisagens de Netherfield Hall, retrata não apenas a tranquilidade rural, mas também a distância emocional que separa esses personagens da efervescência londrina, simbolizando um microcosmo autossuficiente. Ao longo dos 126 minutos de filme, Wright revela a inevitável transição dessas jovens exuberantes, que, aos poucos, se tornam meros ecos do que já foram. A fotografia de Roman Osin intensifica essa sensação de melancolia, tornando o envelhecimento e o esmorecimento emocional quase palpáveis. Com a introdução do misterioso Darcy, a tensão do filme cresce, e o espectador é conduzido a uma montanha-russa emocional, onde cada personagem revela camadas inesperadas de profundidade.

A festividade promovida por Charles Bingley, representando a classe aristocrática britânica em toda a sua pompa, oferece às irmãs Bennet uma oportunidade de escapar da precariedade que assombra sua família. Nesse contexto, a sociedade apresenta o casamento como uma solução prática, onde a união com um homem de posses parece ser o único caminho viável para as mulheres.

O papel de Keira Knightley como Lizzie, no entanto, subverte essa expectativa. Ela não se deixa seduzir pela superficialidade de um casamento sem amor, mantendo sua integridade em meio às pressões sociais. A narrativa cuidadosamente tecida por Wright e sustentada pelo roteiro de Deborah Moggach explora não apenas a busca de Lizzie por um amor verdadeiro, mas também a tensão entre desejo e dever, personificada nos encontros com figuras como George Wickham e Mr. Darcy.

Quando Darcy finalmente cruza o caminho de Lizzie, a obra alcança um ponto de inflexão. Darcy, interpretado por Michael Macfadyen, emerge como um complemento perfeito para a força emocional de Elizabeth. Juntos, eles personificam uma relação que transcende as convenções de seu tempo, movida por uma paixão que inicialmente se disfarça como aversão. O domínio de Wright sobre essa dinâmica é claro, elevando o romance de Austen a um nível cinematográfico que respeita sua profundidade literária. O enredo, cuidadosamente estruturado, entrelaça as intrigas com Wickham e o desenvolvimento da relação entre Darcy e Lizzie, sem perder o foco na construção de um romance que não é apenas um reflexo do amor, mas também da resiliência individual.

A graça do texto de Austen reside em sua habilidade de explorar as complexidades das emoções humanas, principalmente no que diz respeito ao que se esconde por trás da aparente hostilidade entre Darcy e Elizabeth. Enquanto ambos lutam contra seus próprios sentimentos, há uma subcorrente de entendimento mútuo que os aproxima, tornando-se irresistível tanto para eles quanto para o público.

Wright, ao captar essa essência, constrói uma narrativa que vai além do simples romance, revelando personagens que conseguem equilibrar suas responsabilidades sociais com suas necessidades pessoais, sem sacrificar o que há de mais valioso: sua integridade. O resultado é um filme que, ao mesmo tempo em que respeita as tradições de seu material de origem, traz uma visão moderna e instigante sobre o amor, a liberdade e a luta por um lugar no mundo.


Filme: Orgulho e Preconceito
Direção: Joe Wright
Ano: 2005
Gêneros: Romance/Drama
Nota: 9/10