Evangelina, uma menina de apenas quatro anos; Ilya, um jovem de dezesseis; e Kyryl, um bebê de dezoito meses. Essas três vidas, ainda tão no início, foram abruptamente interrompidas nas primeiras semanas da invasão russa à Ucrânia, que começou em 24 de fevereiro de 2022. Suas mortes se somaram às de outros milhares — um total de 24.997 vítimas registradas apenas durante a estadia do jornalista ucraniano Mstyslav Chernov na região norte da costa do Mar de Azov, no leste da Ucrânia. Em “20 Dias em Mariupol”, Chernov documenta a brutalidade desse conflito, que atrai os olhares do mundo para uma nação de 603.628 quilômetros quadrados e cerca de 41,5 milhões de habitantes, situada entre a Polônia e a Rússia. Este país, o oitavo mais populoso da Europa, vive uma tragédia humanitária que ecoa com intensidade semelhante ao sofrimento na Faixa de Gaza desde 7 de outubro de 2023.
Ao longo do filme de Chernov, não há um ponto específico para o qual se possa desviar o olhar. A única constante é o sangue dos inocentes, que parece manchar diretamente as mãos dos líderes mundiais, especialmente dos Estados Unidos e da China. Essas potências, que dominam o Ocidente e a Ásia, permanecem inertes ou deliberadamente desinteressadas em enfrentar o despotismo cruel de Vladimir Putin. Pior ainda é a cumplicidade cega de algumas nações, movidas por uma ideologia estreita, e a neutralidade vergonhosa de países em desenvolvimento, como o Brasil, que escolhem a omissão. Com o avançar das cenas, divididas em vinte capítulos, a indignação cresce. A sensação de impotência e a desesperança se intensificam, como se o destino do povo ucraniano estivesse selado em um genocídio silencioso, perpetuado pela indiferença daqueles que deveriam intervir, seja pela via diplomática ou pelo uso da força.
Chernov, diretor e roteirista, filmou tudo o que pôde desde os momentos iniciais da invasão russa, quando deixou Kiev e percorreu 847 quilômetros até Mariupol, acreditando que essa cidade seria uma das últimas a ser atacada. No entanto, apenas quatro dias depois, imensos tanques russos, estampados com a letra “Z”, símbolo da vitória para os invasores, começaram a bombardear escolas, hospitais e maternidades. Evangelina, Ilya, Kyryl e muitas outras vítimas, incluindo mulheres grávidas e bebês que ainda não haviam nascido, perderam suas vidas sob essa ofensiva implacável. A Revolução da Dignidade, os protestos na Praça Maidan, em Kiev, contra o governo de Viktor Yanukovych; a anexação da Crimeia; a invasão de Donbass; a queda do voo MH17, abatido por russos e ucranianos em Hrabove; o cerco ao aeroporto de Donetsk — Chernov já havia testemunhado os momentos mais sangrentos da Europa Oriental nos últimos dez anos. Porém, segundo ele, nada se compara à desumanidade e crueldade vivenciadas em Mariupol. No 86º dia do cerco, as tropas de Putin finalmente tomaram a cidade. As estimativas apontam que, antes de o conflito completar três anos, o número de mortos pode alcançar a marca de um milhão.
Filme: 20 Dias em Mariupol
Direção: Mstyslav Chernov
Ano: 2023
Gêneros: Guerra/Documentário
Nota: 10