A fuga de Sigmund Freud de sua terra natal, a Áustria, em 1938, foi um marco em sua vida, motivada pela crescente perseguição nazista. Nos anos finais de sua trajetória, Freud se estabeleceu em Londres, onde conviveu indiretamente com outros grandes intelectuais de sua geração. Entre esses estava C.S. Lewis, escritor britânico cuja obra mais notável, “As Crônicas de Nárnia”, o imortalizou. Apesar de habitarem o mesmo contexto histórico, não há evidências de que os dois tenham se encontrado pessoalmente, em parte porque seus interesses e campos de estudo eram substancialmente diferentes.
Ainda assim, o dramaturgo Mark Saint Germain ousou imaginar como teria sido um encontro entre esses dois gigantes intelectuais em sua peça “A Última Sessão de Freud”. A obra se inspira no livro “The Question of God”, de Armand Nicholi, que além de originar a peça, deu vida a um documentário que compara as filosofias de Freud e Lewis. Em 2023, essa ficção ganhou as telas do cinema, numa adaptação dirigida por Matt Brown. A proposta do filme é explorar um diálogo hipotético entre Freud e Lewis, com interpretações de Anthony Hopkins e Matthew Goode, respectivamente.
Ambientado em 1939, às portas da Segunda Guerra Mundial e próximo à morte de Freud, o filme aprofunda-se nas tensões filosóficas entre os dois pensadores. A escolha desse momento não é casual, já que tanto a guerra iminente quanto o estado de saúde fragilizado de Freud intensificam a dramaticidade do embate entre eles. De um lado, Lewis defendia uma visão profundamente cristã, onde a moralidade humana era inseparável de uma lógica transcendente e divina. Do outro, Freud via a moral como uma construção cultural, um produto das necessidades sociais e de controle, negando qualquer sentido maior à existência humana ou à vida após a morte.
O confronto entre essas duas visões permeia o enredo do filme, e a riqueza dos diálogos se apoia nas palavras e ideias extraídas das obras dos dois autores. Cada argumento apresentado pelos personagens reforça os contrastes que marcaram suas respectivas contribuições intelectuais. Freud, um ateu convicto, via a religião como uma ilusão criada para aliviar o medo do desconhecido, especialmente da morte. Lewis, por outro lado, acreditava que a fé fornecia respostas a perguntas fundamentais sobre a vida e o propósito humano, sendo uma âncora em tempos de incerteza e sofrimento.
À medida que a trama se desenrola, os debates filosóficos vão além das teorias abstratas e tocam em temas profundamente humanos, como o medo, a dor e o luto — questões amplamente influenciadas pela iminência da guerra. Outro ponto abordado no filme é a relação de Freud com sua filha, Anna, uma figura central no desenvolvimento da psicanálise. A complexidade dessa relação oferece uma dimensão pessoal ao personagem de Freud, trazendo à tona dilemas sobre família e sexualidade que complementam suas teorias psicanalíticas.
A tensão crescente entre as duas figuras é moldada tanto pelas circunstâncias históricas quanto pelas diferenças intransponíveis em suas filosofias. Freud, debilitado e ciente de sua própria mortalidade, vê o mundo de forma sombria e pragmática, enquanto Lewis, ainda cheio de vigor, sustenta que a fé pode trazer conforto e significado, mesmo em meio ao caos. Esses diálogos refletem um embate de ideias que, embora fictício, lança luz sobre questões universais que atravessam gerações e continuam a ressoar na sociedade contemporânea.
Assim, “A Última Sessão de Freud” não se limita a um simples debate intelectual. O filme investiga o cerne do que significa ser humano diante da finitude, do sofrimento e da busca por sentido. A interação imaginária entre Freud e Lewis se torna um espelho para nossas próprias indagações sobre moralidade, propósito e a natureza da existência. Em tempos de incerteza, o embate entre essas duas figuras ilustres nos convida a refletir sobre as diferentes respostas que a humanidade tem dado às grandes questões da vida.
Filme: A Última Sessão de Freud
Direção: Matt Brown
Ano: 2023
Gênero: Drama
Nota: 8