Divertida e inteligente, comédia de Greta Gerwig tem 99% de aprovação no Rotten Tomatoes e está na Netflix Merie Wallace / A24

Divertida e inteligente, comédia de Greta Gerwig tem 99% de aprovação no Rotten Tomatoes e está na Netflix

Quem exalta o brilho ensolarado da Califórnia talvez nunca tenha enfrentado um Natal em Sacramento, como observou a renomada ensaísta Joan Didion (1934-2021). Conhecedora profunda de sua terra natal, Didion era uma artista de espírito livre, capturando como poucos as nuances de sua época. Seu talento literário rendeu milhares de artigos e aproximadamente cinquenta livros, nos quais registrou suas percepções visionárias.

Das profundezas da mente perturbada de Charles Manson (1934-2017), líder de uma seita radical, até os efeitos devastadores da Guerra do Vietnã (1955-1975) na juventude americana, a escrita de Didion era marcada por uma originalidade ímpar e uma narrativa intensa. Sua trajetória, no entanto, poderia ter sido bem diferente se tivesse permanecido na cidade onde nasceu. Essa sensação de confinamento e necessidade de fuga também é refletida em Christine McPherson, a protagonista de “Lady Bird: A Hora de Voar”, de Greta Gerwig. Esse filme representa o ápice da carreira da diretora até então, sendo uma obra madura, pessoal e, acima de tudo, honesta.

Gerwig, assim como Didion, explora a complexidade de crescer em um lugar que parece nos repelir. A diretora ilustra a jornada de amadurecimento de uma jovem que, aos poucos, percebe que o mundo é muito maior do que seus dramas pessoais, como a nota de um exame de álgebra ou a cor do cabelo. Esse despertar é construído com a ajuda de uma protagonista brilhante, que, mesmo estando em cena durante todo o filme, permite que o elenco ao seu redor também tenha seu momento de brilho.

Os sonhos, ao que parece, são o combustível para tornar a vida suportável e, em alguns casos, até gloriosa. Se cada pessoa no mundo tivesse ambições suficientemente grandiosas, essas poderiam transformar o planeta em um lugar mais digno de ser vivido. No entanto, alcançar tais sonhos exige uma ruptura completa com o passado, uma espécie de renascimento espiritual, onde nos confrontamos com nossos medos mais profundos. Ao nos reconectar com nossa essência, tornamo-nos capazes de transformar desejos em realidade, como se o universo conspirasse a nosso favor, ampliando os horizontes de nossas ambições até o infinito.

O filme de Gerwig, por sua vez, está repleto de momentos memoráveis e ricos em significado. Em uma cena emblemática, Lady Bird e sua mãe, Marion, escutam no carro a versão em áudio de “As Vinhas da Ira” (1939), de John Steinbeck (1902-1968), momentos antes de uma discussão sobre a insistência da jovem em ser chamada por um apelido que a mãe considera ridículo. No fundo, o verdadeiro absurdo está na pretensão de Lady Bird em exigir tal reconhecimento de sua mãe, o que revela o conflito geracional e a busca por identidade que permeiam o filme.

Saoirse Ronan, no papel da protagonista, comanda a trama com uma intensidade inquestionável, enfrentando a si mesma e todos ao seu redor. Porém, o sucesso de sua interpretação também depende da parceria cativante com Laurie Metcalf, que evita que o filme caia no melodrama ou na repetição cansativa. A dinâmica entre mãe e filha é um dos elementos que dão profundidade à história, explorando temas como pertencimento, ambição e autodescoberta.

No decorrer da trama, o personagem de Lucas Hedges, Danny O’Neill, aparece como o primeiro interesse amoroso de Christine, mas sua relação é interrompida por uma revelação inesperada. A maneira como Gerwig desenvolve essa subtrama é sutil e sensível, evitando clichês e abordando temas delicados com precisão.

Já na segunda metade do filme, Kyle Scheible, interpretado por Timothée Chalamet, surge como um rebelde sem causa, ampliando os desafios internos da protagonista. Ele serve como um reflexo da própria confusão de Lady Bird, que precisa aceitar que a solução para seu vazio existencial não está em Nova York, mas dentro de si mesma. Quando esse momento de clareza finalmente chega, Christine está pronta para abraçar seu destino e, metaforicamente, voar para novos horizontes.

No fim, “Lady Bird” é um retrato comovente e realista da transição para a vida adulta, onde os sonhos e a realidade se encontram de forma complexa, mas inspiradora.


Filme: Lady Bird: A Hora de Voar 
Direção: Greta Gerwig 
Ano: 2017 
Gêneros: Comédia/Romance/Coming-of-age 
Nota: 10