Faroeste genial com Kevin Costner na Netflix Divulgação / Netflix

Faroeste genial com Kevin Costner na Netflix

Filmes ambientados em épocas passadas despertam em nós sentimentos profundos e inesperados. Somos transportados de imediato para uma realidade distinta, envolta em uma aura de fascínio que torna a trama ainda mais atraente. No entanto, há riscos claros nesse encanto, especialmente em tempos em que figuras que deveriam ser desprezadas são, paradoxalmente, exaltadas como ícones.

Nos últimos anos, temos visto criminosos de todas as classes sendo tratados como celebridades, em grande parte por conta de produções cinematográficas que deturpam a história para glamourizar o crime. Um exemplo claro no Brasil é o aclamado “Tropa de Elite” (2007), dirigido por José Padilha, que foge à regra ao retratar policiais íntegros, que resistem às pressões da mídia, da academia e da elite. De forma semelhante, “Estrada Sem Lei” (2019), título no Brasil de “The Highwaymen”, evoca o espírito desse filme, embora os distribuidores locais tenham tentado suavizar essa abordagem, talvez em busca de uma neutralidade que, ao final, distorce o propósito original.

A diferença entre os títulos nos idiomas original e traduzido pode parecer trivial, mas revela muito sobre as diferenças culturais que tornam um país uma potência global enquanto outro se perde em meio a suas próprias contradições. Sob a direção firme de John Lee Hancock, “The Highwaymen” evita cair na tentação de transformar Bonnie Parker e Clyde Barrow em heróis românticos. Ao contrário, a trama enfatiza a verdadeira natureza de seus crimes. Em contraponto, os policiais que os caçam, Francis Hamer (Kevin Costner) e Maney Gault (Woody Harrelson), são retratados como figuras complexas e longe de serem celebradas em vida, mesmo tendo cumprido com êxito sua missão de trazer os criminosos à justiça.

Esses dois personagens, com histórias de vida bastante distintas, representam o lado oposto da moeda. Hamer, após sua aposentadoria, desfruta de uma vida confortável com sua esposa, enquanto Gault vive em condições precárias, lutando para sustentar sua família. Ambos, no entanto, compartilham um compromisso inabalável com o dever, uma característica que Hancock explora para destacar o contraste com o culto à criminalidade. A inclusão, logo no início do filme, da informação sobre o processo movido pela viúva de Hamer contra a Warner Bros., por retratações injuriosas, reforça a postura do diretor em corrigir a narrativa que ao longo dos anos transformou Bonnie e Clyde em mitos.

O filme não só se sustenta como um documento histórico, mas também como uma reflexão sobre como narrativas são construídas e desconstruídas ao longo do tempo. As atuações dos jovens Emily Brobst e Edward Bossert, como Bonnie e Clyde, são impressionantes e contribuem para essa atmosfera investigativa. O roteiro de John Fusco evita o espetáculo gratuito de violência, focando em detalhes que estimulam a curiosidade de um público que pode não estar familiarizado com a história, mas que é atraído pela abordagem cuidadosa e pelo realismo do enredo.

John Lee Hancock evita transformar o filme em um mero festival de tiroteios, permitindo que o espectador se conecte com a narrativa de uma forma mais profunda e reflexiva. O cenário vasto e desértico do Texas é capturado em planos-sequência que intensificam a sensação de desolação e perseguição constante. É um pano de fundo perfeito para uma história que, ao fim, resgata a dignidade de seus protagonistas e coloca em cheque o glamour ao redor dos criminosos.

Em “The Highwaymen”, o tema da redenção permeia tanto a narrativa dos policiais quanto a própria carreira dos atores. Kevin Costner e Woody Harrelson, embora frequentemente subestimados em Hollywood, brilham em seus papéis. Suas performances contidas e repletas de nuances trazem profundidade aos personagens, que são simultaneamente opostos e semelhantes. Gault, com sua simplicidade e traços típicos de um homem do interior, encontra em Hamer o contraponto ideal, e juntos eles formam uma dupla memorável que, apesar de desgastada pela vida, mantém intacto o senso de dever.

Diferente de ser uma resposta direta ao clássico “Bonnie e Clyde — Uma Rajada de Bala” (1967), de Arthur Penn, “The Highwaymen” é um contraste calculado. Enquanto o filme de Penn explora a rebeldia e o romance dos fora-da-lei, o de Hancock é claro e objetivo: o crime não compensa. Embora muitos possam resistir a essa mensagem, o filme entrega uma narrativa poderosa e necessária, especialmente em uma época em que o culto à criminalidade precisa ser desafiado.


Filme: Estrada sem Lei
Direção: John Lee Hancock
Ano: 2019
Gênero: 
Crime/Drama
Nota: 9/10