Sim, a morte chega sem prévio aviso. E essa parece a desculpa perfeita para que se tente, num último e desesperado esforço, colocar um fim qualquer em pendências que se acumulam ao longo de décadas de uma vida de separações por gestos irrefletidos, orgulho, covardia. Três mulheres isolam-se num apartamento para monitorar os derradeiros suspiros do pai em “As Três Filhas”, uma óbvia releitura da peça de Anton Tchekhov (1860-1904), mas não só. A tríade de personagens femininas criada pelo escritor russo tenta vencer a resistência umas com as outras, dando de cara com suas frustrações, os anseios que não passam, uma monotonia sufocante e, claro, as diferenças abissais que nunca hão de deixar de fazer parte dessa relação, mediada pela finitude.
O diretor-roteirista Azazel Jacobs verte o texto de Tchekhov para a contemporaneidade respeitando sua natureza de exposição de males bastante próprios da vida no começo do século 20, ao passo que é capaz de estabelecer pontes entre esses dois momentos, insinuando que muito pouco muda quando se trata do essencial no homem, mas também incluindo os apêndices que tornam seu filme tão direto.
Na cena de abertura, Katie surge professoral, ostentando um certo ar de superioridade diante de Christina e Rachel — principalmente de Rachel —, e logo se sabe que elas falam de um assunto muito sério. No quarto ao lado, Vincent, o pai delas, pode morrer a qualquer instante, e este é uma das ideias em que se sustenta o filme, desdobrando-se numa pletora de outras questões. Katie e Christina são mães em quadrantes diversos, a primeira com uma filha adolescente e esta ainda a desfrutar apenas da fatia mais saborosa da maternidade, e essa palavra é algo que explica em boa proporção os enroscos entre elas e seu pai.
Numa das passagens mais importantes da história, sabe-se um detalhe acerca da vida de Rachel, e Natasha Lyonne, que já vinha se destacando sobre as colegas, domina o filme de vez. Rachel, a eterna garota-problema, sem filhos, viciada em maconha e ganhando a vida com apostas online, é o retrato daquela família desestruturada, feita de regras e hipocrisias, e conforme Jacobs entra em seu mundinho abafado, se conhecem também as misérias íntimas das personagens de Carrie Coon e Elizabeth Olsen. Vincent aparece numa espécie de transe, já para morrer de fato, no desfecho, e só essa participação de Jose Febus já valeria os cem minutos. É pena que as pessoas só se emendem quando a indesejada das gentes se aproxima. Mas tarde do que nunca.
Filme: As Três Filhas
Direção: Azazel Jacobs
Ano: 2023
Gêneros: Comédia/Drama
Nota: 9/10