Belíssimo, encantador e triste: o filme sobre solidão e autoconhecimento que vale cada segundo e vai tocar sua alma Michele K. Short / Netflix

Belíssimo, encantador e triste: o filme sobre solidão e autoconhecimento que vale cada segundo e vai tocar sua alma

O amor, na vida, é como a tempestade no oceano: quando se encontram, formam algo completamente inédito, um estado de fusão onde as partes se misturam a ponto de não se distinguir uma da outra. E, inevitavelmente, junto com essa união vem um certo desequilíbrio emocional, criando o cenário perfeito para histórias que tocam profundamente os corações dos espectadores.

O grande truque de “Por Lugares Incríveis” (2020) é fazer o público acreditar que embarcará em uma aventura por destinos exuberantes do mundo — ou pelo menos dos Estados Unidos — mas, em vez disso, a viagem acontece em Indiana, um estado do meio-oeste americano, e, surpreendentemente, acaba sendo uma experiência cativante. O mérito inicial é do roteiro, escrito por Jennifer Niven, autora do livro homônimo que inspirou o filme, e coescrito por Liz Hannah. Porém, é a direção criativa de Brett Haley, conhecido por suas tramas emocionantes, que confere ao filme o poder necessário para fazer o espectador se apaixonar por aquele canto simples e um tanto desinteressante da América. É a partir desse ponto que Elle Fanning e Justice Smith assumem o comando, entregando performances cheias de química, que inicialmente poderia parecer improvável, mas logo se revela forte e convincente.

Embora Fanning e Smith sejam atores talentosos, não se destacam necessariamente por sua beleza ou carisma magnético. No entanto, Haley percebeu algo excepcional em sua união: juntos, eles formam uma dupla mais poderosa do que se imaginava. Violet, interpretada por Fanning, é uma jovem lidando com um trauma devastador, uma ameaça que ainda paira sobre sua vida e saúde mental. É nesse estado fragilizado que ela conhece Theodore Finch — ou simplesmente Finch —, interpretado por Smith, um rapaz igualmente quebrado pelas circunstâncias. Violet vem de uma família abastada, enquanto Finch se contenta com o amor da irmã Kate, vivida com muita sutileza por Alexandra Shipp, que entra em cena no momento certo para equilibrar o drama. A ausência da mãe e o desaparecimento do pai deixam Finch ainda mais à deriva, e, embora o componente racial não seja o foco do filme, o ambiente idiossincrático dos Estados Unidos exige uma abordagem cuidadosa.

Durante o desenvolvimento do filme, é possível temer que o relacionamento de Violet e Finch caminhe para um desfecho trágico ou até mesmo para uma acusação criminal injusta contra o jovem, dada sua posição social inferior e sua cor de pele. Mas, para alívio do espectador, essa virada não acontece. No entanto, o caminho desses dois personagens não é fácil, e o filme mostra, de forma sutil, como ambos se desafiam e se ajudam a enfrentar seus demônios internos.

Violet e Finch são personagens únicos, até certo ponto desconfortáveis e mal ajustados. À medida que a amizade entre eles cresce, o público é levado a descobrir mais sobre suas personalidades complexas e suas dores. A maneira como o diretor os retrata, congelados em seus dilemas, mas prontos para se entregarem um ao outro, é notável. Finch, desde o início, pode ter desejado algo mais do que apenas amizade com Violet — um desejo que ele reprime em nome do respeito e da conexão que desenvolvem. Os diálogos de Justice Smith são ágeis e certeiros, carregados de referências a Virginia Woolf, o que dá um toque intelectual e nada óbvio à relação.

Quando Violet finalmente aceita colaborar com Finch em um trabalho em grupo, é aí que a mágica começa. Rob Givens, o diretor de fotografia, transforma o cenário rural de Indiana em algo quase poético. As estradas sinuosas, as árvores em tons de verde e laranja, os vastos campos de vegetação rasteira, e a escuridão que envolve a estação ferroviária à noite criam um ambiente encantador e, ao mesmo tempo, melancólico, onde os personagens podem se perder e se encontrar, tanto no trabalho quanto em seus sentimentos.

Embora adolescentes perdidos em suas emoções possam não ressoar com todos, o filme é capaz de tocar até os espectadores mais céticos e calejados pela vida. Assim como outras produções que exploram o amor juvenil e suas complicações — de “Meu Primeiro Amor” a “Namorados para Sempre” —, “Por Lugares Incríveis” consegue deixar sua marca. Para mim, filmes como “O Lado Bom da Vida”, que trata de questões mentais com sensibilidade e profundidade, ainda ressoam mais, mas isso não diminui o impacto desta obra. A verdade é que cada história de amor traz algo único, pois cada experiência é vivida por duas pessoas que, juntas, formam um mundo novo e imprevisível.

No final, Brett Haley nos lembra de uma verdade essencial: nunca conhecemos completamente o outro, assim como não nos conhecemos por inteiro. O filme convida o público a esse processo de autodescoberta, destacando a importância de perceber as pequenas coisas que tornam a vida especial. Sem cair em julgamentos fáceis ou maniqueístas, “Por Lugares Incríveis” sugere que, por trás de uma fachada delicada e marcada, pode haver um espírito inquieto e ambicioso, que ainda não sabe como lidar com o próprio mundo. É essa profundidade emocional que faz do filme uma experiência que merece ser vista e sentida, com atuações notáveis e uma mensagem que ecoa muito além dos clichês do gênero.


Filme: Por Lugares Incríveis
Direção: Brett Haley
Ano: 2020
Gêneros: Romance/Drama
Nota: 9/10