Você está pronto? A franquia mais polêmica do cinema acaba de chegar na Netflix Divulgação / Universal Pictures

Você está pronto? A franquia mais polêmica do cinema acaba de chegar na Netflix

James DeMonaco ajudou a conferir identidade à “Uma Noite de Crime”, a franquia que tomou o pânico americano pelo diferente ao pé da letra e ao longo de oito anos destrinchou assuntos como imigração ilegal, aversão a estrangeiros, inépcia do poder constituído e a carnificina que advém desse processo sem medo de patrulhas de quaisquer ordens. No primeiro longa da tetralogia, DeMonaco literalmente expurga fantasmas bastante reais da América, começando pela falsa ideia de que armas existem para proteger. Movimentos ultranacionalistas à direita e à esquerda sempre foram uma pedra no sapato de um país esclarecido, recrudescendo sem freio nos confins do país mais rico do planeta e causando espécie às cabeças pensantes daquela grande nação porque acolhidos com fervor pela população mais simples, assombrada pelo espectro do desemprego, da violência e da precarização de serviços básicos como saúde e educação, muito distante de serem para todos. O diretor-roteirista coloca todos esses pontos à mesa usando de alguma sutileza e esticando a corda ao máximo, num flerte incansável com o mau gosto, até que a história começa a fazer sentido, enfim.

Em 22 de março de 2022 — é impressionante como o futuro logo se torna um tempo morto no cinema —, o mundo já experimenta ares de uma distopia em que, para conter uma fragmentação social sem volta, o governo dos Estados Unidos decreta a Lei do Expurgo, que permite o cometimento de qualquer gênero de crime a partir das 19h deste dia, sem cadeia ou processo, desde que não se usem explosivos. James Sandin, morador do subúrbio do que parece ser Los Angeles, tem levantado uma fortuna vendendo, claro, um sistema de proteção residencial altamente tecnológico, e volta para sua mansão com toda a calma, a pouco mais de uma hora de ser decretado o toque de recolher e o massacre começar. Ele tem cabeça para ligar para a secretária, e fica sabendo que agora é oficialmente o vendedor de maior êxito da companhia, informação que passa quase despercebida, mas é central em tudo quanto se passa na tal noite de crime. Nesse diapasão, Mary, a esposa de James, recebe a visita de Grace Ferrin, a vizinha interpretada por Arija Bareikis, pouco antes do marido voltar, e DeMonaco aproveita essas curtas passagens para reforçar o traço em movimentos calculados, sublinhando a animosidade dos Sandin com os vizinhos com um ou outro olhar enviesado ou um crispar de mãos. Uma ligeira prévia do petardo de ressentimento e ódio que não tarda a espocar.

Depois que soa o alarme, as portas e janelas se revestem de grossas placas de titânio e começa a valer aquele regime de exceção temporário e absurdo, escutam-se gritos na rua, precedidos de rajadas de projéteis. Charlie, o filho caçula e inconvencional de James e Mary vivido por Max Burkholder, vê pelas câmeras um homem correndo, decerto perseguido por uma horda de matadores circunstanciais, e abre-lhe a porta. O que advém dessa atitude impacta todo o restante do filme, uma vez que o estranho, afro-descendente e desconhecido da família, some no interior da casa enquanto Henry, o namorado de Zoey, a outra filha doa Sandin, tenta matar James, que se opunha ao relacionamento dos dois por ele ser já maior de idade. Aos poucos, “Uma Noite de Crime” extirpa esses tumores americanos, mas que poderiam ser de qualquer povo. Ethan Hawke e Lena Headey são os grandes nomes aqui, aos quais DeMonaco reserva o final que o público esperava de fato. Quanto mais se pensa numa solução mágica para a violência, menos se conhece o tamanho do buraco em que nos metemos. Sem chance de purificação.


Filme: Uma Noite de Crime
Direção: James DeMonaco
Ano: 2013
Gêneros: Ação/Terror
Nota: 8/10