Faroeste com Daniel Day-Lewis baseado em clássico da literatura e vencedor do Oscar é um dos filmes mais belos do século 20 e está na Netflix Divulgação / Twentieth Century Fox

Faroeste com Daniel Day-Lewis baseado em clássico da literatura e vencedor do Oscar é um dos filmes mais belos do século 20 e está na Netflix

Após três décadas, “O Último dos Moicanos” permanece como uma obra intrigante, perturbadora e, em certos momentos, desconcertante. Sob a direção de Michael Mann, o filme mergulha profundamente nas raízes da colonização europeia na América do Norte, extraindo elementos cruciais da versão de 1936 dirigida por George B. Seitz. Mann leva o público de volta a um período onde as tensões entre as potências colonizadoras e os povos indígenas locais estavam no auge, e, ao mesmo tempo, oferece uma experiência cinematográfica que se aproxima da realidade histórica da época. Em comparação, Bruce Beresford, com “Hábito Negro” (1991), explorou essas mesmas complexidades no contexto canadense, porém com um método mais frio e analítico.

Mann apresenta os Estados Unidos como uma nação que resistiu, ao longo dos séculos, à formação de uma identidade singular, ainda marcada pelos vestígios da Guerra Civil (1861-1865). Esse conflito, que uniu um norte industrializado, cansado da escravidão, a um sul agrário que se beneficiava desse sistema opressor, moldou a nação em um território dividido por tensões raciais e sociais.

Nesse processo, milhões de africanos escravizados foram subjugados, enquanto os povos indígenas, que habitavam a América do Norte antes da chegada dos europeus, sofreram um destino igualmente trágico. A redução drástica da população indígena, de dezoito milhões para uma fração mínima, permanece um dos grandes mistérios e tragédias dessa época, em parte atribuída à recusa desses povos à miscigenação.

O enredo de “O Último dos Moicanos” se passa em 1757, durante o terceiro ano de uma batalha feroz entre Inglaterra e França pelo controle das colônias americanas. Três homens, representantes de um povo à beira da extinção, tentam sobreviver à beira do rio Hudson, sem se alinhar a nenhum dos lados envolvidos na guerra. Ao contrário, optam por resistir à invasão colonizadora, sofrendo pesadamente por sua coragem, enquanto enfrentam a ira implacável do colonizador europeu.

A câmera de Mann se desloca por paisagens exuberantes, capturando a beleza do nordeste americano em planos panorâmicos impressionantes, antes de focar na perseguição pela floresta, onde um dos personagens principais corre pela mata densa. Essa sequência inicial estabelece o tom do filme, marcado por uma tensão visceral e uma estética visual deslumbrante.

O roteiro, coescrito por Mann, Christopher Crowe e Philip Dunne, se inspira fortemente nas contribuições de John L. Balderston e no romance homônimo de James Fenimore Cooper, publicado em 1826. Aos poucos, a figura de Hawkeye, interpretada por Daniel Day-Lewis, emerge como o protagonista central, impulsionado, em grande parte, por seu romance com Cora Munro, vivida por Madeleine Stowe. A química entre os dois atores confere ao filme uma profundidade emocional que, embora melodramática em certos momentos, é essencial para a narrativa.

Michael Mann toma liberdades criativas ao adaptar o romance de Cooper, tornando a história mais dinâmica e acessível ao público contemporâneo. A relação entre Hawkeye e Cora, embora exagerada em algumas partes, oferece um alívio romântico em meio à brutalidade dos eventos que cercam os personagens. A colaboração entre Day-Lewis e Stowe se destaca como uma das mais memoráveis de Hollywood, criando uma conexão palpável que transcende a tela e dá vida a uma trama permeada por dor e perda. Apesar da forte carga dramática, o destino dos protagonistas permanece envolto em incertezas, deixando o público com uma sensação agridoce ao fim da narrativa.

Com “O Último dos Moicanos”, Michael Mann não só reinterpreta um clássico literário, como também amplia o escopo do épico histórico, fornecendo uma análise profunda e sensível sobre os conflitos entre culturas e a inexorável marcha da colonização. A estética apurada, combinada com performances inesquecíveis, garantiu ao filme um lugar cativo entre os grandes épicos do cinema, onde história e drama se entrelaçam em uma narrativa de resiliência, tragédia e amor.


Filme: O Último dos Moicanos
Direção: Michael Mann
Ano: 1992
Gêneros: Ação/Aventura
Nota: 9/10