Todos os sentimentos humanos são marcados por um paradoxo intrigante: ao mesmo tempo em que o homem se entrega a eles, frequentemente trava batalhas internas tentando escapar de suas armadilhas. O amor, em particular, possui essa dualidade, combinando características que podem atrair ou repelir em diferentes intensidades, dependendo de quem o vivencia. Tal complexidade emocional gera reações imprevisíveis, que variam conforme a personalidade e o contexto de cada indivíduo.
No longa-metragem “Tudo em Família”, Nicole Kidman dá vida a Brooke Harwood, uma personagem que foge ao que a atriz vinha explorando em seus projetos anteriores, seja no cinema ou no streaming. Não há como negar o impacto que comédias românticas bem conduzidas e com a medida certa de humor e acidez exercem sobre o público, especialmente o feminino, mas não exclusivamente. Poucos diretores têm a coragem de explorar os aspectos mais inusitados e menos óbvios dos personagens que criam, e Richard LaGravenese se destaca exatamente por esse talento.
LaGravenese, que já demonstrou sua maestria no gênero, entrega aqui uma história que, embora não seja exatamente inovadora, carrega um toque de originalidade. Ele utiliza elementos que já agradaram o público em filmes como “P.S. Eu Te Amo” (2007), combinados com a essência de clássicos como “Ghost — Do Outro Lado da Vida” (1990), de Jerry Zucker, e “Harry e Sally — Feitos Um para o Outro” (1989), de Rob Reiner. O enredo gira em torno dos conflitos de uma filha extremamente protetora em relação à mãe, que inesperadamente se apaixona por um astro de filmes de super-heróis, alguém com a reputação de ser um galã um tanto duvidoso. Há também uma semelhança notável com a trama de “Uma Ideia de Você” (2024), protagonizado por Anne Hathaway e Nicholas Galitzine. O resultado é uma obra que, surpreendentemente, cativa.
Nos dias de hoje, os dramas românticos raramente conseguem sustentar uma narrativa apenas com o argumento de que o amor supera todas as adversidades. Esse tipo de enredo, tão comum no passado, tornou-se raro, refletindo uma mudança significativa na maneira como o amor é percebido. As histórias que ainda insistem nesse ideal quase sempre se passam em épocas distantes, talvez por uma nostalgia de tempos em que o conceito de amor era visto de forma mais idealizada.
Mesmo não sendo uma obra-prima, “Tudo em Família” consegue se destacar entre os filmes do gênero, evitando cair nas fórmulas previsíveis que muitas produções seguem à risca. O diretor consegue construir uma narrativa que, embora exageradamente romântica em alguns momentos, mantém sua coerência. O roteiro de Carrie Solomon tem a habilidade de colocar seus personagens em situações que os fazem oscilar entre o que se espera deles e suas reações genuínas diante de desafios pessoais e emocionais.
Ao longo do filme, fica claro que, apesar de parecer uma história de amor comum, há algo de singular na jornada dos protagonistas. A Brooke de Kidman, uma escritora de sucesso que enfrenta um bloqueio criativo persistente, parece necessitar de uma experiência que vá além do convencional para reacender sua chama artística. Já Chris Cole, interpretado por Zac Efron, é uma estrela de uma franquia de filmes medíocres, “Icarus Rush”, cujo próximo lançamento, “Labirinto a Caminho”, é uma improvável mistura de “Duro de Matar”, “Milagre na Rua 34” e “Velocidade Máxima”. Embora Cole também esteja em um ponto de estagnação em sua carreira, sua vaidade o impede de perceber a gravidade da situação.
A química entre esses dois personagens, ambos lidando com suas crises pessoais, é um dos pontos centrais do filme. No entanto, a resistência de Zara, filha de Brooke e interpretada com excelência por Joey King, adiciona uma camada de complexidade à trama. Enquanto Brooke e Chris lutam para sair de seus respectivos impasses, Zara, determinada a alcançar sucesso profissional, é a única que realmente progride. O elenco de apoio, que inclui a talentosa Kathy Bates no papel de Leila, a avó de Zara e ex-sogra de Brooke, ajuda a dar mais profundidade ao filme, elevando-o acima de uma comédia romântica comum.
“Tudo em Família” pode não revolucionar o gênero, mas certamente consegue capturar o público com sua combinação de leveza, drama e atuações sólidas.
Filme: Tudo em Família
Direção: Richard LaGravenese
Ano: 2024
Gêneros: Comédia/Romance
Nota: 8/10