De súbito, o cinema foi soterrado por um avalanche de filmes sobre questões de outro mundo. Se há um gênero que consegue se reinventar conforme passam-se os anos, esse gênero é o terror. É inquestionável que o terror muitas vezes se aproveita de argumentos empregados em outras ocasiões, mas como os tempos são outros, como outro também é o entendimento das pessoas diante da vida, mesmo filmes abertamente inspirados em produções consagradas, cults ou arrasa-quarteirões, apresentam suas adaptações, felizes ou nem tanto.
O terror proporciona uma infinidade de modos de se pensar o mundo, os costumes, a vida, e… rejeitar o mundo, os costumes, a vida — pelo menos a vida como a entendemos sob muitos aspectos desde tenra idade. “Imaculada” é um esforço bem-sucedido quanto a juntar elaborações de estilo e frescor semântico, malgrado, como já se disse, nada caia do azul. Aqui, Michael Mohan toca numa chaga que ainda vai levar algum tempo para fechar em sociedades que se dizem modernas, um assunto que determinadas correntes religiosas exacerbam com atitudes extremas e desnecessárias.
Cecilia tem certeza de que deseja abraçar a vida monacal desde que, em criança, escapara da morte num lago congelado. O texto de Andrew Lobel distribui um bocado de tensão entre os personagens centrais, e nesse movimento, a protagonista de Sidney Sweeney vai ganhando vigor para além do enredo, ficando o convento apenas como um cenário protocolar. Na verdade, essa história poderia se dar em qualquer ambiente, no seio de uma família chefiada por um pai autoritário ou no departamento jurídico de uma megaempresa, mas uma vez que se escolhe uma instituição onde mulheres resolvem de livre e espontânea vontade encerrar-se em nome de sua fé para servir a Deus, o componente sexual torna-se um atrativo por si só. Mohan pincela seu filme de elementos do giallo, o noir italiano, mas só sob o ângulo da estética. Depois da chegada de Cecilia ao monastério, em passagem mostram-na vestindo o hábito por cima de um corpo esbelto e sensual, ou tomando banho junto às outras freiras, “Imaculada” ganha ares de projeto rigorosamente autoral e se jacta de sua originalidade.
O diretor reserva para o segundo ato as boas reviravoltas do longa. A gravidez de Cecilia, mote em torno do qual gira a trama depois de algumas deambulações pontuais, apontando para o nascimento de um possível novo messias, enquanto uma noviça comete suicídio, e os questionamentos irrespondíveis da anti-heroína que Sweeney leva com espantosa naturalidade, fica logo superado, interessando muito mais a tragédia que se esconde sob cada uma daquelas sotainas. “Imaculada” é fôlego (quase) novo no terror.
Filme: Imaculada
Direção: Michael Mohan
Ano: 2024
Gênero: Terror
Nota: 8/10