Faroeste brilhante com Ethan Hawke e John Travolta que você ainda não assistiu na Netflix Divulgação / Blumhouse Productions

Faroeste brilhante com Ethan Hawke e John Travolta que você ainda não assistiu na Netflix

A sequência de abertura de “Terra Violenta” apresenta um cenário árido e desolado, onde um estranho viaja pelo deserto em direção a terras mexicanas. Ao encontrar um padre, aparentemente em apuros, o viajante demonstra compaixão, ouvindo as súplicas do religioso sobre sua égua exausta pelo calor abrasador. No entanto, esse breve momento de solidariedade rapidamente se transforma em uma emboscada, com o suposto homem de fé revelando-se um impostor armado, exigindo o cavalo do forasteiro. Esse incidente inicial introduz uma crítica incisiva aos falsos profetas que surgem em tempos de desespero, estabelecendo o tom crítico do filme de Ti West.

“Terra Violenta” é um western que homenageia e ao mesmo tempo reinterpreta o legado de mestres do gênero como Sergio Leone, Don Siegel e Quentin Tarantino. West utiliza esses pilares como base para construir uma obra própria, imersa em um mundo selvagem e sem regras, onde o poder pertence aos mais fortes, e a moralidade é uma moeda rara. O ambiente apresentado é brutal, um lugar onde a lei inexiste e a sobrevivência depende da força e astúcia.

O filme retrata um território em que o medo e a violência moldam o destino de seus habitantes. A trilha sonora, composta por Jeff Grace, complementa perfeitamente essa atmosfera opressiva, e a presença de uma coadjuvante marcante logo no início prende a atenção, estabelecendo um vínculo com o anti-herói da trama.

A trama se desenrola sem excessos de seriedade, uma decisão que se torna a maior virtude de West. O personagem do impostor, interpretado por Burn Gorman, é um exemplo claro disso — um vilão que, mesmo em suas aparições esporádicas, consegue impactar e adicionar profundidade ao enredo. Após se livrar do enganador, o protagonista, o misterioso cavaleiro interpretado por Ethan Hawke, chega a Denton, um vilarejo no Texas, cujos habitantes enfrentam as duras consequências da Corrida do Ouro, período entre 1848 e 1853, que levou muitos jovens a abandonarem suas terras em busca de fortuna. West não especifica a época exata em que se passa a narrativa, mas o ambiente de desesperança e abandono, combinado com o perfil do protagonista, deixa claro que o tempo aqui é irrelevante. O foco está no homem que, marcado por batalhas internas, luta contra seus próprios demônios.

O caubói de Hawke, Paul, apesar de sua natureza endurecida, é retratado como alguém que carrega boas intenções. Essa complexidade é explorada de maneira que o aproxima de personagens de filmes como “Ataque dos Cães” (2022), de Jane Campion, baseado na obra “The Power of the Dog” (1967), de Thomas Savage. Assim como no filme de Campion, “Terra Violenta” também apresenta o cão como um símbolo poderoso de lealdade e companheirismo em meio à brutalidade da existência.

Abbie, a cadela do protagonista, interpretada pela talentosa Jumpy, representa o elo emocional de Paul com o mundo. Sua saída da trama provoca um vazio maior do que o causado pela ausência de outros personagens importantes, como o Marechal, vivido por John Travolta, ou Mary-Anne, a sonhadora interpretada por Taissa Farmiga.

Essa combinação única de humor ácido, violência gráfica e momentos de introspecção oferece ao público uma experiência cinematográfica que vai além do convencional. Ao mesmo tempo, a obra de West não foge do absurdo, criando cenas que desafiam a lógica, mas que, paradoxalmente, parecem perfeitamente adequadas àquele universo. É essa ousadia estilística, aliada à sua recusa em se levar demasiadamente a sério, que faz de “Terra Violenta” uma experiência gratificante, deixando o público desejoso por mais desse estranho e fascinante faroeste.


Filme: Terra Violenta
Direção: Ti West
Ano: 2016
Gêneros: Faroeste/Ação
Nota: 9/10