Vista por 88 milhões de espectadores, comédia romântica deliciosamente desestressante na Netflix ficou no Top10 em 105 países Divulgação / Netflix

Vista por 88 milhões de espectadores, comédia romântica deliciosamente desestressante na Netflix ficou no Top10 em 105 países

No soneto “Fidelidade”, Vinicius de Moraes, durante uma viagem a Portugal em 1939, descreveu o amor como uma chama destinada a se apagar com o tempo, algo inevitável na sua efemeridade. Já Nelson Rodrigues, em sua forma incisiva, defendia que se um amor chega ao fim, é porque nunca foi genuinamente amor.

Entre essas duas visões fortes e opostas, a adaptação de Vanessa Caswill de “A Probabilidade Estatística do Amor à Primeira Vista”, livro de Jennifer E. Smith, não consegue captar nem a profundidade poética de Vinicius, nem a intensidade dramática de Nelson. O filme, intitulado “Amor à Primeira Vista”, sofre por ser uma obra superficial, repleta de clichês que mal disfarçam sua pretensão.

Jennifer E. Smith, autora americana com formação em redação criativa pela Universidade de St. Andrews, construiu uma narrativa que tenta abordar as coincidências que compõem o amor, mas o roteiro de Katie Lovejoy, adaptado para o filme, falha em sustentar qualquer reflexo autêntico desses momentos. Logo no início, somos apresentados à protagonista Hadley Sullivan, que corre contra o tempo para embarcar em um voo de Nova York a Londres.

Uma voz feminina informa sobre o caos do aeroporto John F. Kennedy em 20 de dezembro, o dia mais movimentado para viagens aéreas, com quase 200 mil passageiros transitando e disputando espaço com centenas de bagagens. Esse cenário caótico cria o pano de fundo para o encontro de Hadley com Oliver, um passageiro que compartilha o destino.

Apesar do esforço para adicionar detalhes e números precisos que pudessem aumentar a sensação de realismo, como os 123 minutos de atraso médio no check-in e os 117 minutos de espera na segurança, todo esse detalhamento parece excessivo e desnecessário. O verdadeiro foco da narrativa — o encontro casual que poderia resultar em uma grande história de amor — perde força diante dos diálogos pobres e das atuações medíocres.

Haley Lu Richardson, que interpreta Hadley, tenta dar vida a uma personagem que está prestes a viver o que o roteiro quer que acreditemos ser “o amor de sua vida”. No entanto, a história falha em capturar qualquer sensação de autenticidade ou profundidade emocional. A expectativa de algo grandioso se dissipa rapidamente, e o filme se resume a uma sequência de coincidências previsíveis e diálogos que mal sustentam o enredo.

Ben Hardy, no papel de Oliver, aparece como o par romântico, mas sua atuação também deixa muito a desejar. Se a personagem de Richardson já não é convincente, Hardy consegue a proeza de parecer ainda mais desconectado, embora sua presença em cena seja menor, o que talvez seja um alívio para o espectador.

Embora seja evidente que “Amor à Primeira Vista” tenha seu público-alvo, especialmente aqueles que são fãs dos livros de Jennifer E. Smith, o filme falha em evocar qualquer emoção genuína. Ele pode até ser considerado “bonitinho” por aqueles que buscam um entretenimento leve e passageiro, mas está longe de representar o que o amor realmente é para quem já se viu profundamente envolvido em uma relação de verdade. O amor, como a vida, é repleto de intensidade, de altos e baixos, de momentos que explodem em emoção — algo que o filme não consegue sequer arranhar.

A tentativa de inserir referências a Shakespeare, com alusões a “Sonho de Uma Noite de Verão” e outras peças, apenas reforça a ideia de que o filme se esforça para ser mais do que realmente é. Contudo, essas referências literárias, por mais sutis ou explícitas que sejam, acabam por soar vazias em um enredo que não oferece substância suficiente para sustentá-las.

As coincidências que aproximam Hadley e Oliver podem até parecer encantadoras em um primeiro momento, mas logo se revelam apenas conveniências narrativas. A falta de profundidade nos diálogos e na construção dos personagens faz com que tudo se desmorone antes mesmo de o filme atingir seu clímax.

No final das contas, “Amor à Primeira Vista” é apenas uma tentativa frustrada de replicar a magia de um romance arrebatador. Quem procura algo mais do que uma narrativa rasa e previsível provavelmente sairá decepcionado. Apesar de ser um filme visualmente agradável e contar com um público cativo, ele está longe de captar a essência do que realmente é o amor — com toda a sua complexidade, dor e, sim, às vezes, fúria.


Filme: Amor à Primeira Vista
Direção: Vanessa Caswill
Ano: 2023
Gêneros: Romance/Drama
Nota: 7/10