Aclamado em Cannes, faroeste moderno é um dos melhores filmes na Netflix e você talvez não tenha visto ainda Divulgação / Wild Bunch Germany

Aclamado em Cannes, faroeste moderno é um dos melhores filmes na Netflix e você talvez não tenha visto ainda

O cinema, sempre em sintonia com as expectativas e desejos do público, molda lugares e épocas conforme o mercado dita. Em “Terra Selvagem”, o thriller com tons de faroeste dirigido por Taylor Sheridan, o cineasta tenta, de maneira obstinada, recuperar a essência de um cenário e de um período que, para muitos, já se foram. E, em parte, ele consegue.

Sheridan, a mente por trás dos roteiros de “Sicario: Terra de Ninguém” (2015), sob direção de Denis Villeneuve; “Sicario: Dia do Soldado” (2018), dirigido por Stefano Sollima, e “A Qualquer Custo” (2016), de David Mackenzie, assume o comando aqui e traz muito do que antes só havia sugerido. Desta vez, ele aposta tudo na construção de um anti-herói complexo, cuja profundidade psicológica não deixa ninguém indiferente.

No imaginário ideal de qualquer pessoa, existe um campo sereno onde as folhas das árvores dançam com a brisa, como descreve o poema de Emily Lambert, filha de Cory, o exímio caçador de lobos de Lander, no Wyoming. Emily foi encontrada morta alguns anos atrás, e Cory, interpretado magistralmente por Jeremy Renner, tenta esconder de si mesmo a dor devastadora que a ausência dela provoca.

Como o personagem admite em uma cena crucial, os filhos não nos permitem descansar, e esse sentimento de constante vigilância e preocupação talvez explique a angústia que o corrói silenciosamente. Outro evento trágico, semelhante ao da perda de sua filha, acaba por mergulhá-lo ainda mais fundo em um abismo emocional do qual não consegue – ou talvez não deseje – escapar. Se antes ele estava entregue à pulsão de morte, acreditando que ela combinava com sua natureza, agora, mesmo que quisesse se afundar na dor, o novo acontecimento o obriga a reagir.

A deslumbrante cinematografia de Ben Richardson suaviza a atmosfera de tensão sufocante que permeia o roteiro de Sheridan. Este, por sua vez, enriquece a trama com pequenos detalhes que, à primeira vista, podem parecer triviais. Um exemplo claro é a cena do lobo à espreita de um rebanho de ovelhas, que pouco depois é abatido por Cory.

O sangue que mancha a neve e sua camisa passa despercebido pelo protagonista, mas não pela personagem Annie Hanson, interpretada por Althea Sam. Ela, inclusive, demonstra preocupação com a inadequação das roupas de Jane Banner, vivida por Elizabeth Olsen, para suportar o rigor das temperaturas gélidas nas colinas de Lander.

Jane, uma jovem agente do FBI, é designada para investigar o desaparecimento de Natalie, neta de uma anciã indígena. Ao chegar à pequena cidade, Jane se depara com a apatia das autoridades locais, um ponto em que Sheridan desvia o foco da trama para destacar o componente social que deseja imprimir em seu filme.

Isso se torna particularmente claro na emblemática cena em que Cory e Martin Hanson, papel curto mas impactante de Gil Birmingham, sentam-se sob o frio implacável do inverno, aguardando o momento em que a verdadeira justiça será feita.

Sheridan constrói uma narrativa que vai além da simples busca por respostas, mergulhando profundamente nas complexidades emocionais de seus personagens e no ambiente árido e implacável onde eles se encontram. A interação entre os elementos visuais e os dilemas internos cria uma tensão constante, enquanto as nuances sociais se entrelaçam à trama de forma sutil, mas poderosa. “Terra Selvagem” não é apenas um filme de suspense; é uma reflexão sobre a perda, a redenção e a luta por justiça em um mundo que, muitas vezes, parece indiferente ao sofrimento humano.


Filme: Terra Selvagem
Direção: Taylor Sheridan
Ano: 2017
Gêneros: Mistério/Thriller
Nota: 8/10