A nova produção de Ari Aster, um dos cineastas mais aclamados da atualidade, imerge o espectador em uma experiência surreal e desafiadora. O filme “Beau tem Medo”, distribuído pela A24, apresenta um dos maiores tempos de duração da produtora, com três horas completas de projeção. A trama é baseada em um curta anterior de Aster, “Beau”, lançado em 2011.
Para quem se sentir em uma viagem psicodélica descontrolada durante o filme, saiba que esse é exatamente o efeito que Aster busca. A narrativa, que mistura os elementos de um pesadelo com uma profunda sessão de terapia regressiva, segue os passos de Beau (interpretado por Joaquin Phoenix), um homem dominado por suas paranoias e traumas, que tem como única missão chegar à casa de sua mãe. Contudo, essa jornada é constantemente interrompida por uma série de infortúnios e obstáculos.
Embora existam vestígios do gênero terror, não é correto classificar o filme exclusivamente dessa maneira. Ari Aster frequentemente subverte expectativas e evita categorizações fáceis, utilizando elementos que fogem do padrão tradicional de narrativas comerciais. Isso pode explicar por que “Beau tem Medo” não será bem recebido por todos.
Enquanto algumas pessoas podem amar, muitas outras provavelmente o desprezarão. Apesar de eu ter apreciado o filme em minha primeira sessão, é pouco provável que eu assista novamente, não por sua qualidade, mas pelas emoções intensas e desconfortáveis que ele provoca ao longo da exibição. O desconforto é palpável e, em muitos momentos, o espectador pode se sentir claustrofóbico e emocionalmente exausto.
É uma obra que não busca agradar ou entreter, mas sim provocar sensações que oscilam entre o incômodo e a agonia. Assim como outras formas de arte, o cinema não tem a obrigação de ser fácil de digerir. Enquanto alguns filmes oferecem leveza e entretenimento, outros, como este, desafiam o espectador a confrontar emoções desconfortáveis e profundas.
Diferentemente de muitos filmes de suspense, “Beau tem Medo” não gira em torno de mistérios a serem desvendados. Ao invés disso, há uma sobrecarga de acontecimentos simultâneos que deixam o espectador desorientado — o que faz parte da intenção de Aster. Assim como Beau está perdido em sua própria jornada, nós, como espectadores, somos convidados a partilhar dessa confusão e simplesmente aceitar o fluxo de eventos caóticos. A única certeza é que o filme nos conduz por um caminho de insanidade, onde o normal é irrelevante.
A história começa de maneira sombria: o nascimento de Beau é marcado por um incidente traumático, quando o médico o deixa cair ao chão, gerando um clamor de desespero por parte da mãe. As imagens do início são fragmentadas e desconexas, estabelecendo o tom de uma vida que nunca foi fácil para o protagonista.
O Beau adulto, que vemos a seguir, é um homem derrotado pela vida, preso em um bairro desolado, dominado por figuras violentas e perigosas. A distância entre sua realidade e a de uma grande metrópole como São Paulo é sutil, exceto pelos corpos em decomposição que jazem nas ruas ao redor.
Em uma sequência angustiante, Beau é acusado injustamente por um vizinho de tocar música alta, apesar de seu apartamento estar em completo silêncio. Em retaliação, o vizinho começa a tocar música eletrônica no volume máximo, impedindo Beau de dormir.
Esse evento aparentemente pequeno desencadeia uma série de contratempos que o levam a perder o voo que o levaria para ver sua mãe. Esse é apenas o início de uma espiral de infortúnios que parece não ter fim. Sem suas chaves e com os comprimidos errados ingeridos, Beau se vê preso em uma sequência de eventos desesperadores, desde a invasão de seu apartamento até a notícia da morte de sua mãe. Tudo que poderia dar errado, dá – e pior.
A trama se torna ainda mais complexa quando Beau é acolhido por Roger (Nathan Lane) e sua esposa, Grace (Amy Ryan), que o tratam como uma criança, enquanto lidam com o luto pela perda do filho. O comportamento infantilizado que lhe é imposto e a violência sofrida nas mãos de Toni (Kylie Rogers), a filha adolescente, intensificam a sensação de impotência de Beau. Aster nos faz sentir cada momento de tensão e submissão que o protagonista enfrenta.
Ao longo de sua jornada, Beau continua sendo atormentado por memórias de sua infância, especialmente de sua relação com sua mãe e uma antiga paixão por Elaine. O filme constantemente volta a essas lembranças, revelando o peso emocional que o protagonista carrega. Esses flashbacks nos ajudam a entender um pouco mais sobre a psique de Beau, embora o filme nunca ofereça uma explicação clara ou definitiva.
A fuga de Beau da casa de Roger e Grace o leva a um grupo teatral itinerante na floresta, onde ele brevemente experimenta uma sensação de alívio. Mas esse sentimento é passageiro, e a trama rapidamente retorna ao seu estado original de tensão. Quando Beau finalmente chega à casa de sua mãe, os mistérios ao redor de sua morte se intensificam, levando a uma série de revelações surpreendentes e perturbadoras sobre o relacionamento entre eles.
O título “Beau tem Medo” encapsula o espírito do filme, que é, acima de tudo, uma exploração dos medos e ansiedades que dominam a vida do protagonista. Ari Aster constrói um universo kafkiano e freudiano, repleto de simbolismos e provocações, que nos força a refletir sobre as consequências de viver uma vida paralisada pelo medo.
Mesmo que o filme pareça pretensioso em alguns momentos, a mensagem central é clara: aqueles que não enfrentam seus medos estão condenados a uma existência miserável e autodestrutiva. Aster, como cineasta, entrega uma obra perturbadora, que provoca e incomoda, mas que, sem dúvida, alcança o objetivo que se propõe: marcar o espectador de maneira inesquecível.
Filme: Beau tem Medo
Direção: Ari Aster
Ano: 2023
Gênero: Drama / Terror
Nota: 8/10