Drama que levou o público de Cannes às lágrimas na Netflix Divulgação / Focus Features

Drama que levou o público de Cannes às lágrimas na Netflix

Um homem, pai de família, busca um segundo emprego para lidar com as crescentes despesas, agravadas pela gravidez de sua esposa. Na abertura de “Blue Bayou”, filme de Justin Chon, a tensão é palpável. A cena começa com o protagonista tentando uma vaga em uma loja, ao lado de sua filha, com quem troca breves palavras carinhosas. No entanto, o clima rapidamente se transforma quando o entrevistador, que permanece fora de cena, reage negativamente ao saber do passado do candidato: uma condenação por roubo de motocicletas.

O filme mergulha na vida de Antonio LeBlanc, interpretado pelo próprio Chon, um homem que vê sua já difícil situação se deteriorar. O diretor explora a realidade de milhares de estrangeiros que, apesar de terem passado a maior parte de suas vidas nos Estados Unidos, são constantemente ameaçados pela possibilidade de deportação.

Muitas dessas pessoas foram adotadas por famílias americanas, cresceram absorvendo a cultura local e desenvolveram laços afetivos profundos com o país. No entanto, essa conexão não garante proteção, e muitos são sumariamente deportados sem que lhes seja oferecida a chance de uma defesa justa.

Antonio, um sul-coreano adotado aos três anos por um casal de uma pequena cidade na Louisiana, representa essas histórias. Ele luta para permanecer no único lugar que conhece como lar, sem ter cometido qualquer crime grave que justificasse uma deportação.

A narrativa de Chon subverte a lógica de que a permanência de imigrantes depende de uma suposta “falta de esforço” para se integrar à sociedade. Antonio não apenas assimilou a cultura americana, mas construiu sua vida ao redor dela, sem dever nada às autoridades, mas ainda assim é tratado como um forasteiro.

O filme inevitavelmente remete a “Minari: Em Busca da Felicidade”, de 2020, dirigido por Lee Isaac Chung, outro sul-coreano-americano. Enquanto “Minari” exalta a aceitação e o reconhecimento de imigrantes que contribuem para o progresso do país, “Blue Bayou” apresenta uma realidade mais sombria. Antonio não é um exemplo de sucesso imigrante.

Ele é um tatuador com um passado delinquente, que fez parte de uma gangue de ladrões de motocicletas de luxo, e volta a se envolver em atividades criminosas na tentativa desesperada de sustentar sua família. Em Nova Orleans, ele se encontra à beira da miséria, incapaz de pagar o aluguel ou garantir a segurança financeira de sua parceira, Kathy (vivida por Alicia Vikander), sua enteada Jessie (Sydney Kowalske), e o bebê que está a caminho.

A habilidade de Chon em manipular a empatia do público é evidente. Antonio é um personagem instável, dividido entre a tentação de retomar a vida criminosa, que lhe oferece uma saída rápida, e o desejo de manter sua integridade. Quando ele finalmente cede à tentação, o filme se desvia para uma sequência de ação que, embora emocionante, compromete a verossimilhança do enredo. Sua fuga de um cerco policial é dramática e cheia de reviravoltas, mas foge da atmosfera realista estabelecida no início do filme. Ainda assim, “Blue Bayou” consegue retornar ao seu tom original na cena final, lembrando o espectador da situação desesperadora de Antonio e de tantos outros que, como ele, são estrangeiros em sua própria terra.

Na última sequência, o destino de Antonio fica claro: ele é apenas mais um dos milhares de estrangeiros adotados ilegalmente nos Estados Unidos, privados de direitos fundamentais, incluindo o direito à identidade. O filme questiona o que significa pertencer a um lugar e como, para muitos, essa sensação de pertencimento pode ser cruelmente negada, mesmo após uma vida inteira de esforços e sacrifícios.


Filme: Blue Bayou
Direção: Justin Chon
Ano: 2021
Gênero: Drama 
Nota: 8/10