Histórias de máfia continuam a atrair o público de forma quase irresistível. Embora retratem figuras envolvidas em atividades ilícitas, esses enredos capturam valores como lealdade, honra às raízes e senso de pertencimento, especialmente entre descendentes de italianos e outros imigrantes que chegaram à América no início do século 20. Um nome que se destacou nesse contexto foi o de Meyer Lansky, que, durante os anos 1930, emergiu como um dos grandes arquitetos do submundo, provando que mesmo imigrantes podiam encontrar seu lugar no cenário do crime organizado americano.
Natural da Bielorrússia, Lansky emigrou para os Estados Unidos na juventude, onde frequentou a escola ao lado de Charles Luciano, mais conhecido como Lucky. O início de sua relação, retratado no filme “Lansky: Uma História da Máfia”, disponível na Netflix, ocorreu de maneira tensa.
Em uma tentativa de extorsão, prática comum de Luciano, Lansky se recusou a ceder, surpreendendo Lucky com sua coragem. Esse primeiro encontro, que poderia ter resultado em um confronto perigoso, acabou sendo o início de uma duradoura parceria. Lansky, inclusive, salvou a vida de Luciano em diversas ocasiões, sendo uma das mais notórias o alerta sobre um plano de assassinato orquestrado por Salvatore Maranzano, chefe da família Bonanno.
Dirigido por Eytan Rockaway, que também divide o crédito de roteiro com seu pai Robert Rockaway, o filme apresenta Harvey Keitel no papel de Lansky durante a fase final de sua vida. Aos 80 anos e enfrentando um câncer de pulmão, Lansky decide contar sua própria versão dos acontecimentos ao recrutar um jornalista decadente, David Stone (interpretado por Sam Worthington), para escrever sua biografia. Essa é sua chance de, segundo ele, expor “a verdade”, enquanto compartilha histórias de sua convivência com figuras notórias do crime.
O impacto de “O Poderoso Chefão”, clássico de Francis Ford Coppola, é perceptível no visual e na atmosfera de “Lansky”. Embora menos sombrio, o filme de Rockaway faz uso de elementos como a iluminação estratégica e diálogos profundos que evocam o clássico estrelado por Al Pacino. A estrutura narrativa também incorpora flashbacks da infância de Lansky, remetendo ao segundo filme da trilogia de Coppola e estabelecendo paralelos entre o personagem fictício Don Corleone, de Mario Puzo, e o real Meyer Lansky.
Ao longo do filme, a trama desvenda as complexas redes de poder do submundo mafioso, a ascensão nos negócios ilícitos, as crises familiares e os obstáculos advindos de sua crescente fama. A história destaca, sobretudo, a habilidade de Lansky em se adaptar a um ambiente hostil, onde ele se distinguiu não só como imigrante, mas também como judeu em um espaço dominado por italianos. Isso ressalta a astúcia e a capacidade de sobrevivência de Lansky em meio a desafios constantes.
Paralelamente à narrativa principal, onde Lansky relata seus feitos a Stone, há uma subtrama envolvendo uma investigação do FBI sobre o paradeiro de uma fortuna de 300 milhões de dólares, supostamente escondida por Lansky. O enredo mantém um equilíbrio entre as memórias contadas e a tensão presente na busca por esse dinheiro desaparecido.
Harvey Keitel entrega uma atuação notável, capturando as nuances do personagem com uma combinação de charme e frieza, o que confere profundidade ao papel. Seu Lansky nos lembra que os vilões são mais complexos do que aparentam, oferecendo ao público uma perspectiva multifacetada de uma figura que, embora envolta em crimes, carrega uma carga emocional e psicológica que ultrapassa o estereótipo simplista de antagonista.
Filme: Lansky: Uma História da Máfia
Direção: Eytan Rockaway
Ano: 2021
Gênero: Biografia/Policial/Drama
Nota: 8/10