Inspirado em Hemingway, filme escondido na Netflix é um tesouro a ser descoberto Divulgação / Filmax

Inspirado em Hemingway, filme escondido na Netflix é um tesouro a ser descoberto

A célebre máxima de Winston Churchill, primeiro-ministro britânico durante a Segunda Guerra Mundial, capturou a complexidade e a gravidade da guerra. Segundo ele, declarar guerra é, em muitas situações, a única opção para evitar a desonra e preservar a paz. Quando uma nação se recusa a lutar por causas essenciais, ela se vê enredada em sua própria covardia, um sentimento que muitas vezes se mascara com virtudes como a fraternidade, a bondade e a tolerância. Nesse contexto de fraqueza moral, os tiranos prosperam, independentemente de suas ideologias, e sua primeira missão, ao conquistar o poder, é mantê-lo a qualquer custo. A guerra justa, portanto, é aquela que une homens e mulheres que amam a verdadeira liberdade — algo que não é um direito absoluto, mas uma conquista que deve ser defendida. Esses indivíduos enfrentam os tiranos e suas cortes, saqueadores dos bens públicos e opressores dos sonhos de milhões de pessoas.

Um dos momentos mais polêmicos da história da Espanha foi a ascensão de Francisco Franco ao poder. De ideias profundamente conservadoras, Franco foi reconhecido por suas habilidades militares, sendo promovido a general aos 34 anos, o mais jovem da Europa naquela época. No início da década de 1930, o sistema monárquico na Espanha começou a desmoronar, levando à eleição de Niceto Alcalá-Zamora como presidente, o que indicava um desejo popular por maior austeridade. Nesse cenário, Franco começou a consolidar sua liderança, mostrando seu poder ao lidar com agitações sociais, como a greve dos mineiros nas Astúrias em 1934. Nomeado comandante em chefe do exército no Marrocos em 1935, e posteriormente chefe do Estado-Maior, Franco observava com crescente desgosto a polarização política do país, especialmente com a ascensão de líderes socialistas como Francisco Largo Caballero. Desgostoso com o rumo político, Franco foi enviado às Ilhas Canárias numa missão diplomática, afastando-se temporariamente da turbulência em Madrid.

Mesmo não sendo centrado na figura de Franco, o filme “Surdo” (2019), dirigido por Alfonso Cortés-Cavanillas, reflete um cenário possível apenas porque ditadores como ele existiram. O filme é ambientado durante a Guerra Civil Espanhola, período crucial para a consolidação do fascismo sob Franco. Cortés-Cavanillas não se limita à sátira; ele mergulha no cenário histórico com profundidade, tomando como inspiração o clássico “Por Quem os Sinos Dobram”, de Ernest Hemingway. Neste romance, o anti-herói, assim como o protagonista de “Surdo”, é retratado como alguém corajoso, mas fragilizado, que vê na guerra um palco para pequenas e significativas revoluções.

O roteiro, assinado por Cortés-Cavanillas e Juan Carlos Díaz, adapta uma história em quadrinhos e apresenta personagens visualmente marcantes, como Anselmo Rojas, interpretado por Asier Etxeandia. Rojas, um guerreiro solitário, perde parte de sua audição após a explosão de uma bomba durante uma batalha. O diretor usa esse elemento para criar cenas em que o som é cortado, transmitindo ao público a experiência sensorial do personagem. Enquanto Rojas vagueia solitário, ele encontra Rosa Ribagorda, uma camponesa negligenciada por seu marido, interpretada por Marian Álvarez. A presença de Rosa alivia, em parte, a solidão de Rojas, enquanto a mercenária Darya Sergueiévitch, interpretada por Olimpia Melinte, cria um contraste interessante. Darya, com sua paixão contida por Rojas, representa o amor improvável em tempos de guerra.

Essa combinação de elementos históricos, narrativos e emocionais faz de “Surdo” uma obra que transcende o mero relato de guerra, oferecendo uma reflexão profunda sobre a natureza humana em tempos de conflito.


Filme: Surdo
Direção: Alfonso Cortés-Cavanillas
Ano: 2019
Gêneros: Western
Nota: 8/10