Quando Alex Lehman e Mark Duplass se reúnem para criar um filme, o resultado é sempre algo que vai além das expectativas. Um exemplo claro disso são as produções “Blue Jay” e “Paddleton”, que equilibram com maestria a comédia e o drama, envolvem o público com sua simplicidade e conseguem transformar o ordinário em algo profundamente relacionável. As narrativas desses filmes são baseadas em eventos comuns, acontecimentos que qualquer pessoa, em qualquer parte do mundo, poderia vivenciar. Esse apelo universal faz com que as histórias transcendem fronteiras, conectando-se com espectadores de diferentes culturas.
Encontrar um filme que fala diretamente ao cotidiano das pessoas é uma experiência especial. “Blue Jay”, em particular, atinge esse objetivo com precisão. A linguagem visual e narrativa utilizada é descomplicada, quase como se o filme fosse uma extensão de nossas próprias vidas. É aquela sensação familiar, como estar em um ambiente que conhecemos bem, como um cochilo no sofá de casa ou um café na casa de um parente próximo. Embora “Blue Jay” não se enquadre no gênero típico de romance, a sua essência está fortemente enraizada em um relacionamento passado, um amor que persiste no pensamento de um dos protagonistas, mesmo sabendo que ele nunca poderá se concretizar novamente.
Sob a direção de Alex Lehman e com um roteiro escrito por Mark Duplass, que também interpreta o personagem principal, “Blue Jay” é uma obra que se destaca pela sua sutileza. Jim, o protagonista, é um homem de meia-idade que enfrenta uma série de desafios. Após a morte recente de sua mãe e a perda do emprego devido a um conflito com seu tio, ele se encontra em um estado de desorientação e tristeza. No meio desse caos emocional, Jim cruza o caminho de Amanda, sua antiga namorada interpretada por Sarah Paulson, que está de volta à cidade para visitar a irmã grávida.
O reencontro dos dois ocorre de maneira desajeitada em um supermercado, um lugar banal, mas que serve como cenário para um momento significativo. A troca de olhares e os gestos nervosos, como Amanda ajustando seu gorro ou Jim preocupando-se com a higiene bucal, revelam a tensão subjacente. Embora ambos tentem manter a compostura, é evidente que os sentimentos que compartilham, ainda que não ditos, permanecem presentes.
Após o breve encontro no mercado, eles se reencontram no estacionamento, onde Jim convida Amanda para tomar um café. O convite é aceito e, a partir desse ponto, a conversa entre os dois começa a se aprofundar. Jim desabafa sobre os desafios que tem enfrentado, incluindo a disputa com o tio, enquanto Amanda fala sobre sua vida atual, que inclui um casamento com Chris, um homem que tem dois filhos de um relacionamento anterior. Enquanto Jim parece perdido, sem rumo, Amanda aparenta ter a vida sob controle, ao menos na superfície.
Durante a conversa, Amanda expressa interesse em visitar a antiga casa da mãe de Jim, onde muitas memórias do casal foram criadas. Esse local se torna um espaço de redescoberta, onde eles revivem momentos da adolescência, escutam músicas e gravações antigas e, por um breve momento, se permitem revisitar o afeto que compartilharam no passado. O beijo que trocam não é apenas um gesto de carinho, mas um símbolo de tudo o que foi e do que nunca poderá ser novamente. Em um momento de grande carga emocional, segredos guardados por anos finalmente vêm à tona, trazendo à luz sentimentos reprimidos e dores nunca resolvidas.
“Blue Jay” se diferencia não apenas pela sua narrativa, mas também por sua estética única. Filmado inteiramente em preto e branco, usando uma câmera Canon convencional, o filme foi gravado em apenas sete dias. Mais impressionante ainda é o fato de que todos os diálogos foram improvisados, o que contribui para a autenticidade das interações entre os personagens. A química entre Mark Duplass e Sarah Paulson é palpável, o que faz com que cada conversa, cada olhar, pareça real e espontâneo.
Apesar de sua produção modesta e de sua trama aparentemente simples, “Blue Jay” é um filme carregado de emoção, nostalgia e uma honestidade rara. Ele não se propõe a ser grandioso ou revolucionário, mas, justamente por isso, consegue tocar o público de maneira profunda. É uma das joias emocionais do catálogo da Netflix, uma obra que vai direto ao coração e deixa uma marca duradoura no espectador.
Filme: Blue Jay
Direção: Alex Lehman
Ano: 2016
Gênero: Drama/Romance
Nota: 10/10