Há tempos, as mulheres enfrentam uma árdua rotina, dividindo-se em várias versões de si mesmas para equilibrar as responsabilidades de serem mães, profissionais, donas de casa e esposas, além de, claro, cuidarem de suas próprias necessidades, muitas vezes deixadas por último. Tudo isso sem contar com o devido apoio daqueles que prometem compartilhar com elas tanto os bons quanto os maus momentos, como se a carga de administrar tudo isso fosse naturalmente atribuída a elas. O filme “Eu Não Sou Um Homem Fácil”, dirigido por Éléonore Pourriat, propõe uma reflexão, ao mesmo tempo leve e profunda, sobre como seria a vida se os papéis de gênero, com os quais nos acostumamos e que frequentemente aceitamos sem questionar, fossem invertidos. A narrativa explora como os homens lidariam com as dificuldades enfrentadas historicamente pelas mulheres, enquanto estas experimentariam o peso de expectativas tradicionalmente impostas aos homens — ser bem-sucedidos profissionalmente, socialmente, e até na vida íntima, um fardo que, para muitos, se arrasta desde a juventude até os momentos mais tardios da vida. A diretora constrói essa história de forma exagerada, porém sempre embasada por uma lucidez crítica que expõe as sutilezas e os excessos desses papéis de gênero.
No centro da trama, Damien é apresentado como um homem profundamente perturbado por suas inseguranças. Em uma performance que transita entre a tensão e o humor, ora sutil, ora escrachado, Vincent Elbaz dá vida ao personagem com uma atuação brilhante, capturando perfeitamente as nuances que o roteiro de Pourriat e Ariane Fert demanda. Logo na primeira cena, somos apresentados a um episódio significativo: um menino aceita participar de uma peça escolar usando um vestido de Branca de Neve e, ao invés de ser acolhido, é severamente criticado pelos colegas, pais e até mesmo professores. Esse momento define muito do que está por vir: a fragilidade da masculinidade de Damien, que aos poucos se degrada em insegurança, medo e na necessidade constante de reafirmar sua virilidade — uma defesa retórica contra ataques que, na realidade, ninguém jamais fez.
Pourriat e Fert trazem à tona uma inversão de situações, reminiscente de produções hollywoodianas como “Do Que as Mulheres Gostam” (2000), de Nancy Meyers, mas com uma abordagem oposta, onde os homens são os que experimentam a pressão de corresponder a expectativas sociais absurdas. A cena do garoto humilhado na infância evolui para Damien, já adulto, deitado no divã de um psicanalista, expondo o trauma que o acompanha como uma sombra e que, sem ser tratado, se infiltra em sua vida como erva daninha num jardim descuidado. Mais tarde, vemos Damien liderando uma apresentação em uma sala cheia de publicitários, todos homens, onde propõe um aplicativo que, de forma grotesca, contabiliza a quantidade de relações sexuais de seus usuários, permitindo comparações de desempenho entre amigos. Nesse cenário, as mulheres são vistas apenas como alvos de conquistas, reforçando a visão distorcida que ele tem do mundo.
No decorrer do segundo ato, a personagem Alexandra, interpretada por Marie-Sophie Ferdane, entra em cena, representando o contraponto perfeito para Damien. Ela é o espelho invertido do protagonista, seu alter ego de gênero oposto, que surge para confrontá-lo com seus próprios dilemas e desafiá-lo a encarar as realidades que ele tanto tenta evitar. A dinâmica entre os dois personagens traz uma profundidade adicional à narrativa, revelando que, apesar da inversão de papéis, os desafios enfrentados por ambos os gêneros não são tão diferentes, e a busca por equilíbrio e compreensão é universal. O filme se encaminha para um desfecho divertido, carregado de humor tipicamente francês, que sugere que a batalha entre os sexos está longe de terminar, mas que há, sim, espaço para questionar, refletir e, talvez, encontrar novas formas de convivência e respeito mútuo.
Filme: Eu Não Sou Um Homem Fácil
Direção: Éléonore Pourriat
Ano: 2018
Gêneros: Comédia/Fantasia/Romance
Nota: 8/10