Baseado em teorias de Einstein e Hugh Everett, romance de ficção científica é uma das mais belas histórias de amor do cinema, na Netflix Divulgação / Translux

Baseado em teorias de Einstein e Hugh Everett, romance de ficção científica é uma das mais belas histórias de amor do cinema, na Netflix

A fantasia de poder voltar no tempo, revisitar momentos passados com a certeza de como corrigir erros, é algo que fascina muitas pessoas. Para Tim, protagonista de “Questão de Tempo”, esse desejo se torna uma realidade quando descobre, ao completar 21 anos, que pode de fato viajar no tempo e alterar eventos de sua vida. Porém, ao contrário do que muitos imaginam, essa capacidade vem com restrições e não garante a solução de todos os problemas. O filme, dirigido por Richard Curtis, oferece uma abordagem diferente desse conceito clássico, tão familiar no cinema, especialmente em produções como “Feitiço do Tempo” (1993), onde Bill Murray interpreta um meteorologista preso em um loop temporal, vivenciando o mesmo dia repetidamente até se redimir de suas falhas.

Curtis opta por um caminho oposto: em vez de forçar o personagem a viver o mesmo dia inúmeras vezes, ele concede a Tim a liberdade de voltar ao passado quantas vezes quiser, contanto que suas ações não interfiram diretamente na vida de terceiros. A princípio, essa regra parece simples, mas a narrativa logo revela a complexidade de tentar controlar o tempo e as consequências inevitáveis que surgem ao alterar o próprio passado.

Para quem se deixa levar pela fantasia que Curtis constrói, a recompensa é um enredo cativante e sensorial, que mescla humor e emoção. “Questão de Tempo” não é apenas uma reflexão sobre a importância de nossas escolhas, mas também sobre a inevitabilidade de encarar as incertezas da vida. A experiência humana, afinal, está repleta de dúvidas, e a certeza de que o tempo segue um curso inalterável é uma dessas verdades difíceis de aceitar.

Conforme o filme avança, fica evidente que a capacidade de viajar no tempo, longe de ser uma solução mágica, é apenas mais uma ferramenta para lidar com as complexidades da vida. A maturidade, representada pelo passar dos anos, não traz necessariamente a certeza ou a paz de espírito que muitos imaginam. Em vez disso, ela frequentemente se apresenta como uma sucessão de desafios e surpresas, muitos dos quais estão fora do nosso controle. Nesse sentido, a história de Tim reflete a universalidade dessa busca incessante por um lugar no mundo, um espaço que nos pertence, mas que, assim como a vida, é impermanente e muitas vezes repleto de conflitos.

Uma das cenas centrais do filme é o diálogo entre Tim e seu pai, interpretado com maestria por Bill Nighy. Nessa conversa, o pai revela o segredo que permeia a família: os homens têm o poder de voltar no tempo. A partir desse momento, a trama se desenrola em torno da relação entre Tim e seu pai, que sustenta o núcleo emocional do filme. A atuação de Nighy, combinada com a performance sincera de Domhnall Gleeson, cria uma dinâmica envolvente, oferecendo ao espectador momentos de profunda reflexão sobre a natureza do tempo e as relações familiares.

Embora o elenco feminino desempenhe papéis importantes, especialmente Margot Robbie como Charlotte e Rachel McAdams como Mary, o foco da narrativa permanece nas jornadas emocionais dos personagens masculinos. Curtis revisita temas que explorou em trabalhos anteriores, como em “Simplesmente Amor” (2003), mas desta vez apresenta uma versão mais amadurecida e menos idealizada do amor.

“Questão de Tempo” propõe uma visão realista e, por vezes, desconfortável da vida: mesmo com o poder de mudar o passado, alguns aspectos da existência permanecem imutáveis. Não importa quantas vezes Tim volte no tempo, ele descobre que o que realmente importa não são os eventos que ele pode alterar, mas sim as lições que aprende ao longo do caminho. É uma jornada sobre aceitar a vida como ela é — com todas as suas dores e delícias. E, no final das contas, fugir para outro tempo ou realidade não muda quem somos essencialmente, nem transforma as qualidades ou defeitos que carregamos.


Filme: Questão de Tempo
Direção: Richard Curtis
Ano: 2013
Gêneros: Romance/Ficção científica/Coming-of-age
Nota: 9/10