Um dos melhores filmes de 2024: novo filme de Richard Linklater acaba de estrear no Prime Video Divulgação / Netflix

Um dos melhores filmes de 2024: novo filme de Richard Linklater acaba de estrear no Prime Video

Há filmes difíceis de classificar. Seja por uma escolha consciente do diretor, que interpreta de maneira idiossincrásica demais o roteiro que chega-lhe às mãos, seja por esse diretor não entender a natureza do material que passa a decupar e disso sair a geleia geral que tanto pode apetecer como provocar enjoo, o fato é que certas produções, ajudadas por um generoso acaso — o que constitui uma situação ainda mais esdrúxula —, ficam muito melhor que a encomenda. Se o mundo fosse um imenso campo onde só florescesse o bom, o belo e o justo, ou ao menos um lugarzinho cada vez mais abafado no qual todos soubessem de suas obrigações e colocassem-nas em prática, sem esperar nada de quem quer que seja, mas vivendo apenas de acordo com o que manda a lei, figuras como Gary Johnson não seriam tão onipresentes. 

O protagonista de “Assassino Por Acaso” é um matador de aluguel como há muito Hollywood não conseguia produzir. Um dos cineastas mais cuidadosos em atividade hoje, Richard Linklater faz brotar de um professor de filosofia e psicologia da Universidade de Nova Orleans um insano que dá asas a sua loucura em colaborações esporádicas à polícia em serviços como grampear telefones e realizar a manutenção dos dispositivos elétricos de uma viatura, até o momento em que é atropelado por uma contingência. Livremente baseado numa história real, o roteiro de Linklater, Skip Hollandsworth e Glen Powell, o novo queridinho de estúdios e criadores desde “Top Gun: Maverick” (2022), de Joseph Kosinski, é uma espiral de sensações que sobe da comédia para o noir, e vice-versa, encaixando ainda um romance, ótima estratégia para manter o filme e o público aceso.

É justamente Powell quem encarna Gary, que parece há muito perdido numa realidade virtual, como um Walter Mitty um tanto mais soturno. Linklater ambienta o espectador no caótico universo do protagonista mediante uma aula em que Gary fala das urgências nietzschianas de se aproveitar a vida; pouco depois, ele aparece em casa, alimentando o gato com atum em lata, e o enfaro que também o acompanha como um bicho de estimação é finalmente interrompido pelo chamado de um de seus contratantes. Jasper, o espião ensebado vivido por Austin Amelio, espanca uns adolescentes infratores e recebe uma suspensão de quatro meses, e Gary é chamado para substituí-lo às pressas. No segmento mais divertido de “Assassino Por Acaso”, Glen Powell enche o texto de cacos e improvisa acerca dos expedientes de que seu personagem lança mão para desovar cadáveres sem deixar vestígios, algo envolvendo jacarés e granadas. Claudette e Phil, os colegas interpretados por Retta e Sanjay Rao, ficam atônitos com o desempenho do impostor, e então desponta para ele a possibilidade de uma, digamos, promoção na carreira secundária. Claro que as coisas não hão de demorar a sair do controle.

Sob o pseudônimo de Ron, Gary encara sua primeira missão de verdade, a execução de um marido dado a sessões de espancamento contra a esposa, Madison. Ele talvez nem fosse adiante com a tarefa, recomendando à moça que usasse o dinheiro para refazer a vida. Como se trata de bom cinema — e portanto de magia —, Ron/Gary e Madison, mesmo diferentes em tudo, engatam um romance tão improvável quanto magnético. Daí até a conclusão, as cenas de Powell e Adria Arjona, muito bem-divididas com a atmosfera de caos imanente, nos falam mais sobre o que poderia acontecer na vida desse homem singular e confuso do que a respeito daquilo que efetivamente acontece, algo que qualquer um é capaz de entender sem grandes esforços. Tratado despretensioso acerca das coisas que não se deixam rotular, “Assassino Por Acaso” é um filme que deveria ser lançado mais vezes.


Filme: Assassino Por Acaso
Direção: Richard Linklater
Ano: 2024
Gêneros: Comédia/Ação
Nota: 9/10