“Rebel Ridge” mergulha na complexidade do thriller social, revelando com intensidade os mecanismos de um sistema corrompido. A história começa com um impacto visceral: Richmond (Aaron Pierre) é atropelado por uma viatura policial enquanto andava de bicicleta em Shelby Springs, Louisiana. Imediatamente detido, ele passa por uma busca arbitrária, e a polícia confisca os 36 mil dólares que havia economizado para a fiança do primo. Este ato é apenas o primeiro de muitos exemplos de um sistema que permite a exploração legal dos menos favorecidos, refletindo uma realidade opressiva e implacável.
Jeremy Saulnier, conhecido por trabalhos como “Ruína Azul” e “Green Room”, volta à Netflix com uma produção marcada por desafios. “Rebel Ridge” estava destinado a festivais, mas, devido a uma produção tumultuada e à saída inesperada do ator original, John Boyega, foi lançado discretamente na plataforma de streaming. A pouca divulgação, porém, não diminui o peso da narrativa, que se aprofunda na luta individual contra um sistema que ampara a corrupção.
O filme é um híbrido entre faroeste contemporâneo, thriller de ação e drama social. Richmond, um ex-fuzileiro naval com habilidades únicas em combate, não é o típico herói vingador. Saulnier subverte o clichê do veterano de guerra, apresentando-o com doses de realismo e humor. Richmond tenta, dentro dos limites legais, usar suas habilidades, enquanto a direção de Saulnier mantém um ritmo pulsante, com cenas de ação intensas e meticulosamente coreografadas, incluindo sequências de luta corpo a corpo em que o protagonista utiliza técnicas de escalada para se sobrepor aos oponentes.
O personagem encontra apoio em Summer McBride (AnnaSophia Robb), uma escrivã que também sofre nas mãos de um sistema jurídico falho. A química entre os dois cria uma parceria dinâmica e instigante, que desafia a corrupção enraizada na cidade. A performance de Aaron Pierre se destaca pela intensidade, expressando uma fúria contida que se revela nos momentos certos. AnnaSophia Robb traz uma combinação equilibrada de força e vulnerabilidade, enquanto Don Johnson, como o xerife, incorpora o antagonista com um cinismo desconcertante, evitando caricaturas.
À medida que a narrativa avança, “Rebel Ridge” se firma como uma crítica incisiva sobre a manipulação da lei para proteger os corruptos. Saulnier utiliza o thriller como uma ferramenta para explorar temas como racismo institucional e abuso de poder. Embora o título do filme possa parecer genérico, ele é apenas uma fachada para uma narrativa que mergulha na corrupção legalizada de forma profunda e perturbadora. A indignação permeia a trama, sendo uma resposta direta ao sistema que perpetua tais injustiças.
O elemento distintivo de “Rebel Ridge” está na construção moral do protagonista. Richmond não cede ao papel de herói movido pela vingança. A trama explora o conceito de “desescalada” repetidamente, mostrando a decisão consciente de manter Richmond em um patamar moral elevado, mesmo quando confrontado com a violência e a opressão. Essa escolha narrativa confere uma dimensão humana ao personagem, evitando que ele se torne apenas um veículo de violência.
Apesar das cenas de ação eletrizantes e do suspense contínuo, o filme perde um pouco de fôlego em seu terço final. Com uma duração de mais de duas horas, uma edição mais concisa poderia ter mantido a tensão em seu ápice. No entanto, mesmo com um ritmo por vezes irregular, “Rebel Ridge” se afirma como uma produção densa e instigante, cujo impacto ressoa além do título modesto.
A maestria de Saulnier em criar cenas de confronto carregadas de tensão é evidente. As sequências de luta e perseguição em “Rebel Ridge” são orquestradas com precisão, mantendo o espectador à beira do assento. A direção, elegante e contida, evita truques chamativos e se concentra em entregar uma experiência autêntica. Saulnier questiona as convenções do gênero e provoca reflexões sobre os conceitos de justiça e legalidade em nossa sociedade.
Em tempos de debates fervorosos sobre abuso de poder e racismo institucional, “Rebel Ridge” se posiciona como um filme de relevância essencial. Mais do que entreter com sua narrativa envolvente e ação intensa, ele obriga o público a encarar as falhas profundas das instituições. Saulnier nos oferece um filme que atua simultaneamente como um protesto contundente e um estudo meticuloso de personagens, lembrando que o cinema tem a capacidade de instigar, desafiar e, principalmente, fazer pensar. “Rebel Ridge” ultrapassa seu próprio gênero e se consagra como uma das produções mais significativas e oportunas dos últimos tempos, uma narrativa que merece ser assistida, debatida e lembrada.
Filme: Rebel Ridge
Direção: Jeremy Saulnier
Ano: 2024
Gêneros: Thriller/Ação
Nota: 9/10