Filme brasileiro que estreou há apenas 3 dias e está no Top 10 da Netflix em 95 países Divulgação / Film2B

Filme brasileiro que estreou há apenas 3 dias e está no Top 10 da Netflix em 95 países

Filmes de crime tornaram-se praticamente uma assinatura do cinema brasileiro, especialmente após o impacto global de “Cidade de Deus” e “Tropa de Elite”, e mais recentemente com a série “Dom”, disponível no Prime Video. Retratar os crimes ocorridos nas favelas, aos olhos de espectadores internacionais, parece encapsular a realidade do Brasil de forma generalizada, o que está longe de ser uma verdade absoluta, assim como o glamour de Hollywood promoveu o “sonho americano”. Nesse contexto, “Bandida: A Número Um”, dirigido por João Wainer e disponível na Netflix, vem sendo elogiado pela crítica estrangeira. O filme é uma adaptação do livro autobiográfico de Raquel de Oliveira.

A narrativa se inicia na década de 1970, quando Rebeca (Maria Bomani) ainda é uma criança. Criada por uma mãe solteira e trabalhadora, a menina é deixada sob os cuidados da avó, uma mulher viciada em jogos de azar. Nessa dinâmica familiar disfuncional, a avó acaba vendendo Rebeca a um traficante local, Amoroso (Milhem Cortaz). O destino da jovem quase se sela de maneira trágica nas mãos desse criminoso e pedófilo, mas uma profecia, afirmando que Rebeca era protegida por uma entidade espiritual, amedronta Amoroso, livrando-a de um destino terrível.

Apesar de não explorá-la fisicamente, Amoroso decide que Rebeca pode ser útil de outras maneiras. Ele a matricula na escola e começa a moldá-la para atuar no mundo do crime. À medida que cresce cercada por traficantes na favela da Rocinha, Rebeca lentamente se torna uma figura proeminente nesse meio, contribuindo para o fortalecimento dos negócios de Amoroso. Já na adolescência, ela se apaixona por Pará (Jean Amorim), um jovem que trabalha para Del Rey (Otto), o principal rival de Amoroso.

Amoroso, sempre controlador, tenta garantir que Rebeca permaneça sob sua influência. Ele a promete a Feliciano (Antônio Benício), mas o encontro entre os dois culmina em violência, quando Rebeca atira em Feliciano ao ser atacada em uma tentativa de estupro. Decidida a vingar-se de Amoroso por todos os abusos sofridos, Rebeca planeja matá-lo. Contudo, antes que ela possa executar seu plano, Pará atira no peito do traficante, pondo fim à sua vida.

Com Amoroso fora de cena, Rebeca e Pará começam a viver sua história de amor. Del Rey, por outro lado, acaba preso, já que ele não mantinha qualquer relação com a polícia, e Gil, seu homem de confiança, é morto em um confronto. A queda dos chefes do crime abre caminho para que Pará e Rebeca assumam o controle e consolidem seu reinado no tráfico.

O filme de João Wainer utiliza um filtro visual intenso, que visa conferir um ar cinematográfico às cenas, mas acaba por seguir uma fórmula já amplamente explorada no cinema nacional, oferecendo poucas inovações. A história real de Raquel de Oliveira, que serve de base para a narrativa, certamente é mais rica do que a versão ficcional apresentada, que parece apressada para chegar aos momentos mais impactantes sem desenvolver adequadamente os personagens. Isso acaba prejudicando o envolvimento emocional do espectador com a trama.

O elenco, que é composto por atores talentosos, faz o melhor possível com o material que tem em mãos, mas o roteiro não lhes oferece muita profundidade ou espaço para explorar seus personagens de maneira significativa.

“Bandida: A Número Um” se revela como mais uma produção que reforça estereótipos e preconceitos, sem aprofundar-se nas questões morais ou éticas relacionadas às ações de seus personagens. O filme se distancia de uma análise crítica das escolhas de seus protagonistas, focando-se mais na ação do que nas reflexões que poderiam surgir da complexidade da vida criminosa.

No entanto, o longa tem suas qualidades. As cenas de ação são realistas e bem executadas, oferecendo momentos de imersão ao público. Além disso, o trabalho de figurino e cenografia merece destaque, recriando com precisão as décadas em que a trama se desenrola. Esses elementos técnicos, aliados ao esforço do elenco, contribuem para elevar o nível da produção, ainda que o filme não consiga escapar completamente das armadilhas comuns a obras que retratam o crime no Brasil.

“Bandida: A Número Um” é um filme que traz à tona uma narrativa envolvente, mas que perde a oportunidade de oferecer uma análise mais profunda de seus personagens e dos contextos sociais em que estão inseridos.


Filme: Bandida: A Número Um
Direção: João Wainer
Ano: 2024
Gênero: Ação/Crime
Nota: 8

Fer Kalaoun

Fer Kalaoun é editora na Revista Bula e repórter especializada em jornalismo cultural, audiovisual e político desde 2014. Estudante de História no Instituto Federal de Goiás (IFG), traz uma perspectiva crítica e contextualizada aos seus textos. Já passou por grandes veículos de comunicação de Goiás, incluindo Rádio CBN, Jornal O Popular, Jornal Opção e Rádio Sagres, onde apresentou o quadro Cinemateca Sagres.