Divertida comédia de ação argentina que acaba de chegar à Netflix e já foi assistido por 4,2 milhões de espectadores Divulgação / Netflix

Divertida comédia de ação argentina que acaba de chegar à Netflix e já foi assistido por 4,2 milhões de espectadores

A comédia argentina “Irmãs de Sorte”, dirigida por Fabiana Tiscornia, combina de forma cativante elementos de comédia, drama e thriller policial em uma narrativa pouco convencional e envolvente. O enredo é centrado nas irmãs Jesi (Sofía Morandi) e Ángela (Leticia Siciliani), que se conhecem em circunstâncias curiosas: no necrotério, enquanto reconhecem o corpo do pai falecido.

Até então, ambas ignoravam a existência uma da outra, já que são filhas de mães diferentes e nunca haviam cruzado seus caminhos. A primeira troca de palavras entre elas é marcada por uma observação de que nenhuma das duas parece com o falecido, um rico empresário envolvido em escândalos de corrupção. O enredo ganha forma quando elas descobrem que o pai escondia uma grande quantia de dinheiro possivelmente ilícito em seu luxuoso apartamento, o qual, por questões legais, deverá ser leiloado.

Inseguras, mas igualmente tentadas pelo dinheiro, Jesi e Ángela hesitam em usá-lo, cientes de que sua origem é ilegal e que, em teoria, não lhes pertence. No entanto, logo cedem à tentação e decidem gastar parte do montante em compras no shopping. Insatisfeitas com suas vidas — Jesi trabalha em uma lanchonete e Ángela é professora de crianças —, as irmãs veem na fortuna uma oportunidade de escaparem de suas limitações financeiras e profissionais.

Esse primeiro passo para uma vida de excessos, no entanto, as coloca em uma situação perigosa, uma vez que logo percebem estar sendo seguidas por homens ligados ao passado sombrio de seu pai. Agora, temendo por suas vidas, as irmãs decidem fugir, levando consigo parte do dinheiro guardado em uma mala e uma mochila.

O núcleo da trama se desenrola em torno da fuga das duas, que, aos poucos, abandonam suas rotinas monótonas para embarcarem em uma jornada imprevisível. Sentindo-se “procuradas” por criminosos, Jesi e Ángela veem suas vidas transformadas à medida que lidam com a pressão e o medo constantes de serem capturadas.

Em um ponto crítico da história, Jesi tenta embarcar em um voo com uma mochila cheia de dinheiro, mas acaba sendo presa, intensificando a tensão da narrativa. A trama atinge seu ápice quando um mafioso surge no apartamento do pai falecido em busca de algo que as irmãs acreditam ser o dinheiro, o que as força a enfrentarem a dura realidade de suas ações.

Enquanto as irmãs correm contra o tempo e tentam escapar de seus perseguidores, a relação entre elas, inicialmente marcada por divergências, evolui. Ángela e Jesi, com personalidades distintas, constroem uma conexão emocional profunda, transformando não apenas suas percepções uma da outra, mas também suas próprias identidades. Essa nova dinâmica entre as personagens traz uma camada emocional interessante ao filme, que transcende a narrativa de fuga e crime, tornando-se uma história sobre laços familiares e autodescoberta.

O roteiro de Mariano Vera, no entanto, opta por não se aprofundar completamente no passado das personagens. Sabemos apenas o básico sobre elas: Jesi trabalha em uma lanchonete e Ángela é professora infantil, ambas insatisfeitas com suas carreiras e estilos de vida. O filme não explora detalhes mais profundos sobre suas histórias pessoais ou suas percepções do pai, o que deixa algumas lacunas na narrativa.

Não sabemos, por exemplo, se elas tinham conhecimento da existência uma da outra antes do fatídico encontro no necrotério, nem entendemos a relação que mantinham com o pai, um homem que viveu no luxo, mas deixou as filhas em situações financeiras precárias. Essas perguntas não respondidas conferem ao filme uma sensação de incompletude, como se algumas peças importantes da história tivessem sido deixadas de lado.

Da mesma forma, o passado do pai é tratado de forma superficial. Embora esteja claro que ele se envolvia em negócios escusos, a figura dele permanece pouco desenvolvida. Quem ele realmente era? O que o levou a acumular uma fortuna de forma ilegal enquanto mantinha uma relação distante com suas filhas? Essas questões poderiam ter acrescentado mais complexidade ao enredo.

Apesar dessas lacunas, “Irmãs de Sorte” consegue entreter com seu ritmo ágil e humor leve. A química entre Morandi e Siciliani é um dos pontos altos do filme, e as situações inusitadas em que as personagens se encontram garantem boas risadas.

Contudo, o filme deixa a sensação de que poderia ter ido além, aprofundando-se mais nas motivações e histórias das protagonistas e do pai, que parece uma figura essencialmente enigmática. Ao final, “Irmãs de Sorte” é uma comédia que diverte, mas que também poderia ter sido o ponto de partida para uma narrativa mais densa e desenvolvida, lembrando mais um piloto de série do que uma obra autossuficiente.

Com isso, o filme cumpre seu papel de entretenimento leve, mas fica aquém em seu potencial dramático e de exploração de seus personagens. O espectador é levado a querer saber mais sobre a história por trás do dinheiro e das pessoas envolvidas, mas esses mistérios acabam sendo apenas levemente tocados.


Filme: Irmãs de Sorte
Direção: Fabiana Tiscornia
Ano: 2024
Gênero: Drama/Comédia/Ação
Nota: 8

Fer Kalaoun

Fer Kalaoun é editora na Revista Bula e repórter especializada em jornalismo cultural, audiovisual e político desde 2014. Estudante de História no Instituto Federal de Goiás (IFG), traz uma perspectiva crítica e contextualizada aos seus textos. Já passou por grandes veículos de comunicação de Goiás, incluindo Rádio CBN, Jornal O Popular, Jornal Opção e Rádio Sagres, onde apresentou o quadro Cinemateca Sagres.