Registros históricos e relatos místicos sobre criaturas sobrenaturais que emergem de seus túmulos para vagar pelas cidades como se ainda estivessem vivas são inúmeros. Os zumbis, figuras que habitam o imaginário popular e as narrativas de ficção há séculos, especialmente a partir da Idade Média (476-1453), quando surgiram também lendas de bruxas e vampiros, continuam a fascinar e perturbar. Embora algumas tradições aleguem que rituais de feitiçaria, como os praticados no Haiti e em outros países da América Central, teriam o poder de reanimar os mortos, muitos acreditam que essas histórias não passam de invenções ou, pior, de preconceitos enraizados.
Por mais que se critique a exploração cultural e a tendência da indústria de entretenimento em simplificar tradições, muitas vezes desprovidas de embasamento histórico sólido, e originárias de regiões marcadas pela pobreza e pela superstição, é inegável que a curiosidade mórbida do público desempenha um papel crucial na disseminação dessas ideias. Hollywood, com sua habilidade incomparável de catalisar tendências, foi a responsável por transformar os zumbis em um fenômeno global. Filmes como “Madrugada dos Mortos” conseguiram se manter relevantes, resistindo à constante evolução dos modismos cinematográficos.
Em 1978, o cineasta George Romero (1940-2017) apresentou uma visão aterradora de uma epidemia de mortos-vivos em uma pacata cidade do Wisconsin, no norte dos Estados Unidos. Mais de vinte anos depois, essa história ganharia novo fôlego nas mãos de Zack Snyder, a partir de um roteiro escrito por James Gunn, que captou com precisão os anseios de um público já fidelizado.
A principal distinção entre as obras de Romero e Snyder parece estar no tom. Enquanto Romero conduzia seu filme com uma dose generosa de humor negro, ironia e cinismo — elementos que ele dominava com maestria —, Snyder, apoiado no roteiro de Gunn, opta por uma abordagem mais séria e sombria. O personagem CJ, interpretado por Michael Kelly, exemplifica esse tom árido, com sua postura de segurança autoritário, sempre pronto para impor sua própria noção de ordem, armado e perigoso.
No entanto, a tentativa de Snyder de transformar “Madrugada dos Mortos” em uma alegoria distópica, onde os humanos são constantemente ameaçados por monstros que outrora estavam entre eles, acaba por perder força. A linha que separa a sanidade e a selvageria é tênue, e qualquer um pode ser tomado pelo desespero e se tornar o próximo “monstro”.
Na cena inicial, conhecemos Ana, uma cirurgiã interpretada por Sarah Polley, que, após encerrar seu turno, retorna para casa e encontra seu marido, Michael, vivido por Jake Weber. No caminho, ela cumprimenta uma jovem vizinha que patinava pela rua. Ironicamente, é essa mesma garota que desencadeia o apocalipse zumbi em Wisconsin, espalhando o vírus que transforma a população em criaturas malignas — embora apáticas — que forçam os sobreviventes a se organizarem sob o comando de Kenneth, um policial robusto e de bom coração, interpretado com o carisma habitual de Ving Rhames. Kenneth lidera a resistência do terraço de um shopping, criando uma das imagens mais marcantes do filme, ainda que o enredo insista em se manter preso a uma certa previsibilidade.
Hollywood, fiel ao seu estilo, continua a usar fórmulas conhecidas, mas sempre com um toque que capta o interesse de seu público.
Filme: Madrugada dos Mortos
Direção: Zack Snyder
Ano: 2004
Gêneros: Terror/Ação
Nota: 7/10