Talvez, na indústria cinematográfica atual, seja cada vez mais raro surgirem produções como “Forrest Gump — O Contador de Histórias”. A obra transpõe para a tela uma narrativa que mistura sonhos e delírios, concretizando os pensamentos mais profundos e incomuns de um homem que, desde cedo, entendeu que não se encaixava na sociedade. O mundo, para ele, era um cenário vazio, incapaz de despertar qualquer sentimento genuíno. Assim, ele se refugiou em um vasto universo interno, cuidadosamente construído ao longo dos anos, muitas vezes impulsionado pelo sarcasmo das pessoas ao seu redor.
Este filme é uma sinergia perfeita entre o roteiro brilhante de Eric Roth, adaptado da obra de Winston Groom, a direção magistral de Robert Zemeckis e os efeitos especiais supervisionados com precisão por Allen Hall. Além disso, conta com um elenco formidável, liderado por Tom Hanks, o único ator capaz de assumir um papel tão desafiador.
Mesmo já sendo um dos rostos mais conhecidos de Hollywood em 1994, quando o filme estreou, Hanks eleva sua carreira a um novo patamar. Com carisma e talento lapidado ao longo de sua trajetória, ele cimenta seu lugar entre os grandes nomes da indústria. Seu retrato de um protagonista profundamente humano nos leva a acreditar que todos possuem um lado “Forrest”, algo que, consciente ou inconscientemente, reprimimos ao longo da vida.
Forrest Gump se vê envolvido em diversos acontecimentos marcantes entre as décadas de 1950 e 1980, sendo até mesmo sugerido que ele poderia ter uma ligação com Nathan Bedford Forrest, uma figura proeminente da Confederação durante a Guerra Civil Americana e um dos fundadores da Ku Klux Klan. Embora essa conexão passe despercebida por muitos, ela oferece uma camada essencial para a compreensão do complexo psicológico do personagem de Hanks. Forrest, retratado como um indivíduo simples e inocente, absorve uma quantidade extraordinária de informações sem nunca processá-las de maneira convencional.
Desde o início do filme, o comportamento de Forrest provoca reações variadas. A enfermeira que divide o banco de uma parada de ônibus com ele demonstra, a princípio, desconforto e medo. No entanto, com o passar do tempo, essa sensação se transforma em empatia e compaixão, culminando em uma conexão silenciosa, embora profunda. O roteiro de Roth e Groom, assim como a direção de Zemeckis, evita aprofundar-se no possível autismo do personagem, seja por desconhecimento da condição ou para não despertar debates em torno do politicamente correto.
Em vez disso, o foco recai sobre a complexa relação entre Forrest e sua mãe, uma mulher que sacrifica tudo, inclusive sua dignidade, para garantir que seu filho tenha oportunidades. Sally Field, em um papel carregado de emoção, oferece uma atuação impecável, que não só engrandece o filme, mas também ressalta o talento de Hanks.
Zemeckis explora as possíveis influências sociais que moldaram Forrest. Na Guerra do Vietnã, ele faz amizade com Bubba, um soldado afro-americano cuja deficiência física não o impede de servir ao exército. A relação entre os dois é outro ponto de destaque, com Mykelti Williamson trazendo uma profundidade que complementa o protagonismo de Hanks.
Através de flashbacks e da inserção de eventos históricos, como o atentado contra George Wallace e o encontro com figuras icônicas como Elvis Presley e John Lennon, o filme nos leva a questionar se Forrest, em sua simplicidade, não seria, de fato, uma crítica à sociedade de seu tempo. Ainda que limitado, Forrest segue seu caminho, sempre em movimento, em uma jornada que parece ultrapassar o próprio tempo — uma obra que o cinema, em sua atual fase, dificilmente recriará.
Filme: Forrest Gump — O Contador de Histórias
Direção: Robert Zemeckis
Ano: 1994
Gêneros: Drama/Comédia/Fantasia
Nota: 10