Josh Duhamel está confortável na pele de Gilbert Galvan Jr., a ponto de ninguém duvidar das cenas assumidamente farsescas de “Bandido”, uma série de passagens sobre a intrepidez e a desventura de um ladrão de bancos que especializa-se em enganar as autoridades usando de expedientes simplórios, mas certeiros, e assim tornar-se um homem riquíssimo. O texto detalhado de Ed Arnold, Robert Knuckle e Kraig Wenman — que há quem jure se tratar de pseudônimos de ex-colegas de ofício de Galvan Jr. — fornece uma base satisfatória a Allan Ungar, mas o diretor vai muito além do óbvio, entrando nos meandros escuros do pensamento de seu protagonista e tirando de lá conclusões que passariam sem despertar suspeitas para olhos pouco treinados. Nesse embalo, Ungar explica o episódio da mudança de nome de Galvan Jr., depois da fuga de uma cadeia de segurança mínima, e segue-o ainda mais aferradamente nas ocasiões em que age como um homem comum, talvez desejoso de abandonar a vida instável do crime, sem ter de abrir mão da fortuna conquistada mediante expedientes extralegais, claro.
A luta pela sobrevivência impele-nos a assumir uma postura mais agressiva diante dos outros e esse personagem não demora a ser incorporado à nossa natureza, com a providencial ajuda das várias dificuldades que se agigantam nos cenários extremos em que a vida, caprichosa e vingativa, transforma-se numa arena onde se chega para matar ou para morrer. Indivíduos são esbulhados de seu arbítrio e de sua sensibilidade e se convertem num prolongamento da consciência coletiva, não pensam mais pela própria cabeça e veem-se obrigados a se submeter a expedientes os mais vis, não por covardia, mas por não poderem contar com ninguém. Galvan Jr. se vira como pode, e quando se transforma em Robert Lee Whiteman, depois que compra a carteira de identidade de um morador de rua por 22 dólares, está pronto para alçar voos tão altos quanto sempre quis. Ao conhecer Tommy, seus sonhos ficam a uma calçada do real: do outro lado da rua, os dois avistam o banco imponente, um dos maiores do Canadá, que não demora a invadir, com toda a elegância, e começar um negócio lucrativo, mas muito, muito arriscado.
Duhamel e Mel Gibson desafiam as leis do bom cinema e compõem a parceria quase perfeita, o galã de agora com o ex-galã meio problemático de hoje, este disparando falas politicamente incorretas sobre astros pop dos anos 1980 a exemplo de Boy George, sem endurecer demais seu antagonista. Whiteman, ex-Galvan Jr., declara em inferninhos banhados à luz fraca e colorida do néon que toda cidade tem seus esquemas, e quem há de discordar? Seu esforço de se tornar um homem de família, ilustrado pela presença de Andrea, a esposa vivida por Elisha Cuthbert, quase dá certo — ou dá mesmo, alguns anos mais tarde, quando ele também é abraçado por Hollywood. Como produtor de cinema, Gilbert Galvan Jr. tem entre trabalhos “Our Quinceañera” (2019), dirigido por Fanny Veliz Grande, sobre um filantropo texano que organiza festas de quinze anos para garotas carentes. Nada como uns anos de cárcere para mudar alguns homens.
Filme: Bandido
Direção: Allan Ungar
Ano: 2022
Gêneros: Crime/Thriller/Biografia
Nota: 9/10