Até onde um homem é capaz de ir para fazer da vida algo extraordinário? Thor Heyerdahl (1914-2002) primeiro foi até uma ilha da Polinésia Francesa e, ao conhecer muito bem o lugar, onde escreveu uma tese sobre a colonização da Ásia, percebeu que uma questão central de seu trabalho exigia uma resposta que não estava nos livros. Heyerdahl, o protagonista de “Expedição Kon-Tiki”, teve de convencer acadêmicos, políticos, marinheiros experientes e a mulher com quem partilhara os momentos mais instáveis e plenos de entusiasmo de sua jornada de que era necessário reformular sua pesquisa, movido pela intuição mediúnica, mas também por claras evidências de que muito pouco do que aprendera e divulgara não tinha mais validade diante de uma descoberta inusitada e perturbadora.
A partir dos relatos do geógrafo e zoólogo norueguês, os diretores Joachim Rønning e Espen Sandbergrefazem os passos de Heyerdahl e compõem um filme instigante, no qual se debruçam sobre a fixação algo suicida do pesquisador em provar que os incas peruanos foram capazes de vencer mares revoltos, as intempéries, as feras do Pacífico e a necessidade e chegar ao arquipélago de Tuamotu, do outro lado do globo, contrariando cinco séculos de ciência. O roteiro de Petter Skavlan ilustra o rigor intelectual e a bravura ontológica de Heyerdahl tomando por base “A Expedição Kon-Tiki” (1948), seu romance autobiográfico — que virou filme já em 1950, dirigido por ele mesmo, e ganhou o Oscar de Melhor Documentário de Longa-Metragem em 1951 —, deixando algumas surpresas de tirar o fôlego para o terceiro ato.
Desde criança em Larvik, no extremo sul da Noruega, Heyerdahl assume riscos, aventurando-se em meio a placas de gelo para apanhar brinquedos que os outros moleques já davam por perdidos, “se mostrando”, como lhe diz a mãe, até que numa dessas, cai no lago a muitos graus abaixo de zero e precisa ser resgatado por Erik Hesselberg (1914-1972), não por acaso um dos cinco homens que seguem com ele para Tuamotu zarpando do porto de Callao, nas cercanias de Lima, depois de uma verdadeira batalha por patrocínio, durante a qual ouviu toda sorte de impropérios e foi alvo de caçoadas as mais indiscretas. PålSverre Valheim e Odd Magnus Williamson respondem pelas grandes cenas do longa, e aos poucos o Herman Watzinger (1916-1986) de Anders Baasmo Christiansentambém tem sua chance.
Watzinger, um engenheiro que trabalha como vendedor de geladeiras, balança ainda mais o cotidiano dos colegas, em especial numa passagem em que cai na água, ensanguentado, e ameaça dar uma de estraga-prazeres com seus parceiros de convés, atraindo um cardume de imensos tubarões. Essas criaturas são, a propósito, um destaque nem tão improvável nos 118 minutos de projeção, nas horas em que Rønning e Sandberg preenchem as lacunas narrativas com cachalotes, peixes-voadores e a beleza das caravelas reluzentes que rodeiam a jangada. Por falar em beleza, nas raras ocasiões em que aparece, Agnes Kittesenfaz com que sintamos a tensão do casamento de Liv Rockefeller (1916-1969) e Heyerdahl, um homem casado com sua alma selvagem.
Filme: Expedição Kon-Tiki
Direção: Joachim Rønning e EspenSandberg
Ano: 2012
Gêneros: Aventura/Ação
Nota: 8/10