Filme polonês, que estreou hoje na Netflix, é um dos dramas mais impressionantes de 2024 Divulgação / Netflix

Filme polonês, que estreou hoje na Netflix, é um dos dramas mais impressionantes de 2024

Esta poderia ser uma história real, se lê no prólogo de “Boxer”. Feita esta útil ponderação, tudo o mais no filme do esloveno Mitja Okorn é um esforço para transformar uma ficção a biografia envergonhada de um atleta polonês obrigado a fugir da miséria liberticida do verdadeiro comunismo, não aquele que certas correntes extremistas do Brasil e além inventam. Aqui, Okorn reproduz com espantosa fidedignidade o cenário de penúria, tristeza, desconsolo, opressão e, por evidente, paranoia que toma conta da Europa Oriental até meados dos anos 1990, quando o Polska Zjednoczona Partia Robotnicza (PZPR), o partido operário deles, projeta o nome de Lech Wałęsa para o comando do Executivo, mediante eleições diretas. Os poloneses, todavia, continuaram a reboque de políticos autoritários e corruptos, uma economia primária restrita que não alçava voo nunca e, o pior, o isolamento dos que não sentiam firmeza no novo governo. “Boxer” perpassa todas as essas camadas da história moderna da Polônia, sob a ótica de um pugilista cheio de traumas. 

Histórias como a de Jedrzej, um boxeador que primeiro sai de seu país e depois enfrenta toda sorte de dificuldades e opróbrio, ajudam a exorcizar fantasmas de outros tempos e deixam mais suave a atuação de homens públicos que, ironicamente, tentam com todo o empenho reproduzir a atmosfera de terror de quase oito décadas atrás. Essa sede por liberdade em todas as suas diversas naturezas tornou-se parte do jeito polonês de viver desde pelo menos o advento da superliga das pequenas nações da Europa Oriental num só bloco, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), encabeçada pela muito poderosa Rússia, que vigorou de 1922 a 1991 fomentando divisões e conflitos econômico-ideológicos invisíveis para o resto do mundo e tirando deles toda a vantagem que pudesse. “Boxer” sai de Bytom, no sul, e aos poucos está em todo o território nacional, exatamente como a sombra da vigilância obstinada aos cidadãos. Okorn fixa a trama em 1995, mas retrocede duas décadas, mostrando o protagonista como o grande fã de seu pai, também boxeador, até que uma tragédia colhe a família. Passam-se dez anos, e ao se dar conta de que não poderá ter carreira no estado de conflagração social que arrasa tudo, Jedrzej e a esposa emigram para a Inglaterra, onde são roubados por um compatriota idoso e Kasia trabalha o dia inteiro, grávida. Para piorar, uma péssima decisão profissional do lutador sela para eles um destino de criminosos.

Adrianna Chlebicka e Eryk Kulm Jr. são habeis em segurar um enredo que se alonga mais que o razoável, pecando pelo excesso, nunca pela falta. Filmes como “Boxer” só provam que, quanto mais se conhece uma pessoa, mais se sabe acerca de toda uma nação.


Filme: Boxer
Direção: Mitja Okorn
Ano: 2024
Gêneros: Drama
Nota: 8/10