Um maníaco à solta, obedecendo a expedientes bizarros, porém metódicos, em suas investidas selvagens, traz à memória “Se7en — Os Sete Crimes Capitais” (1995), o cult de David Fincher sobre morte, pecados e castigo. “Origens Secretas” mistura Fincher com as histórias de Stan Lee (1922-2018) num carrossel macabro em que o humor ameniza as passagens mais indigestas. O espanhol David Galán Galindo reúne em seu filme imagens centrais do universo nerd, super-heróis da Marvel, elementos das comédias policiais dos anos 1990 e algo do noir hitchcockiano para falar de assassinatos que tiram o sono de três investigadores de Madri em momentos diversos da vida, e que se veem obrigados a pedir a ajuda de um grande conhecedor, não da fisiologia e anatomia humanas, mas das tramas que motivam o facínora em sua sanha por produzir cadáveres. Galindo e o corroteirista Fernando Navarro aplicam essa urgência por novidades de modo a seduzir todo gênero de público, e acertam em cheio, dispondo de quarteto de protagonistas que viram aliados insólitos na caçada a um monstro tão abominável quanto se assiste no longa de há trinta anos, mas que perde espaço diante das situações nonsense que se desenrolam.
Narrativas de mistério que transcorrem em ambientes restritos, confinando os personagens-suspeitos no mesmo espaço em que serão obrigados a conviver por um tempo muitas vezes indefinido, até que se esclareça o crime que os une, não são propriamente uma novidade. Talvez o exemplo que melhor represente histórias dessa natureza no cinema seja “Festim Diabólico” (1948), onde, claro, Hitchcock, a um só tempo, vale-se de elementos cênicos como uma corda e uma mesa e de uma condução friamente pensada para oprimir o espectador com o propósito de alongar o mais possível o limite da tensão. Cada um reivindica o que considera ser justo, e sentimentos como amor, fúria, desejo, ganância sobem e descem na escala da vida de acordo com o lugar em que nos achamos, e, assim, “Origens Secretas”, por mais que não pareça, fala de escolhas, mesmo as inconscientes, talento, missões de vida. Cosme, o detetive mais antigo do departamento de polícia madrilenho, está prestes a se aposentar compulsoriamente, fustigado por um câncer que não deseja tratar. Anos antes, já viúvo, ele perdera o filho policial num incêndio criminoso, e agora tem de aprender a lidar com Jorge Elías, o outro filho, que insiste em frustrar suas expectativas.
Felizmente para Cosme, interpretado com a justa medida de estoicismo e doçura por Antonio Resines, sua experiência ainda é útil para resolver os crimes que atormentam a capital espanhola, e conforme o enredo toma corpo e se sabe que o sicário parte para cima de suas vítimas usando das referência à cultura pop descritas em quadrinhos antológicos que só olhos muito bem-treinados detectam, Jorge, afinal, vai desempenhar o papel que seu pai julga-lhe o passaporte para uma vida menos egoísta e mais socialmente engajada, embora sua loja de gibis e artigos geek tenha virado o refúgio dos esquisitos da cidade, “fracassados” com consultórios dentários, gabinetes nos tribunais e empresas de faturamentos estratosféricos. Brays Efe é a alma desse trabalho quase alternativo, com espaço para o romance entre David Valentim e Norma, os inspetores vividos por Javier Rey e Verónica Echegui. Sem nenhuma pretensão que não seja entreter.
Filme: Origens Secretas
Direção: David Galán Galindo
Ano: 2020
Gêneros: Thriller/Ação
Nota: 8/10