Yorgos Lanthimos é um cineasta que se destaca por sua fascinação por situações, personagens e estilos de vida que fogem ao convencional. Em “O Lagosta”, ele explora com profundidade os desejos enigmáticos que fazem parte da experiência humana, e utiliza esse contexto para questionar as convenções sociais que moldam as escolhas individuais. O filme propõe uma reflexão densa e multifacetada sobre o modo como as decisões pessoais podem ser influenciadas ou até mesmo determinadas pelas normas sociais, gerando uma cadeia de pensamentos provocativos.
Essa tendência de Lanthimos em abordar temas desafiadores já se manifestava em seus trabalhos anteriores. Em “Dente Canino” (2009), ele traça o retrato da revolta de três jovens contra os pais controladores. Já em “Alpes” (2011), ele se aprofunda na dificuldade em lidar com a morte e a ausência. Essa linha perturbadora se prolonga em “O Sacrifício do Cervo Sagrado” (2017), e se transforma em crítica social afiada em “A Favorita” (2018), uma sátira mordaz às intrigas e disputas de poder da corte inglesa no início do século 18.
Em “O Lagosta”, Lanthimos une forças novamente com o corroteirista Efthimis Filippou, com quem já colaborara em “Dente Canino” e “Alpes”. Juntos, eles optam por uma abordagem poética e satírica, explorando uma espécie de tirania dos sentimentos artificiais que parece dominar uma humanidade obcecada por suas próprias ilusões. Essa estrutura narrativa, por sua vez, convida o público a uma jornada pelos recantos mais sombrios da psique humana.
No universo distópico de “O Lagosta”, os solteiros têm um prazo de 45 dias para encontrar um novo parceiro amoroso. Caso falhem nessa missão, são enviados para um hotel sinistro, localizado numa montanha misteriosa, onde enfrentam um destino ainda mais estranho: se não conseguirem formar uma nova relação, serão transformados em animais de sua escolha e liberados na floresta que circunda o hotel. Este cenário remete à amargura e profundidade presentes na obra de Thomas Mann, porém com uma dose generosa de ironia.
Os hóspedes do hotel são obrigados a seguir regras rígidas, que incluem o uso de uniformes padronizados e a entrega de seus pertences, além de renunciar à sua autonomia. A narrativa propõe uma crítica feroz à padronização e à pressão social para a conformidade, enquanto os personagens torcem para que essa segunda chance no hotel seja mais afortunada do que suas vidas anteriores. Caso contrário, enfrentarão a existência sob uma nova forma, na solidão da floresta, livres da interferência humana.
David, interpretado com sensibilidade por Colin Farrell, escolhe a lagosta como seu animal de transformação. A escolha de David é incomum e intrigante: a lagosta é um animal de longevidade notável, capaz de viver até cem anos. Além disso, possui sangue azul, o que ele vê como um símbolo de nobreza, e vive no oceano, o que o torna imune aos caçadores terrestres. Farrell dá vida a David com uma interpretação tocante, destacando a banalidade e a frustração do personagem em um mundo de normas bizarras.
Nos dois últimos terços do filme, Lanthimos detalha como seria a vida de David em um novo corpo, enquanto a narrativa avança com uma certa lentidão. Esse ritmo é compensado por momentos de humor e performances notáveis, como as de John C. Reilly e Ben Whishaw, que adicionam camadas ao enredo com suas participações. Rachel Weisz, que interpreta a narradora da jornada de David, desempenha um papel crucial na construção dessa narrativa peculiar. Olivia Colman, no papel da gerente do hotel, também faz uma aparição de destaque, ainda que como coadjuvante.
No entanto, o verdadeiro impacto do filme se dá no seu desfecho, quando o destino de David é finalmente selado. A resolução inesperada redime as possíveis falhas da trama e reafirma a habilidade de Lanthimos em desafiar expectativas, oferecendo uma conclusão tão perturbadora quanto reflexiva.
Filme: O Lagosta
Direção: Yorgos Lanthimos
Ano: 2015
Gêneros: Romance/Comédia/Drama
Nota: 8/10