Se há um filme obrigatório na Netflix atualmente, é a comédia dramática com Annette Bening e Greta Gerwig Divulgação / A24

Se há um filme obrigatório na Netflix atualmente, é a comédia dramática com Annette Bening e Greta Gerwig

Um Ford Galaxy, num tom pálido, consome-se em chamas na abertura de “Mulheres do Século 20”, marcando a despedida de um passado sereno — ou pelo menos menos turvo. Assim, o terceiro longa de Mike Mills adentra a vida de uma mãe e seu filho, ambos processando com um misto de incredulidade e melancolia a ausência do marido e pai. Contudo, a imprevisibilidade da existência, como de costume, se encarrega de rearranjar seus destinos, revelando novas direções e inesperados desdobramentos.

O diretor, ousado em sua abordagem, parece ter se debruçado sobre cada um de seus personagens com meticulosa atenção, moldando diálogos que fluem naturalmente, como se aquelas figuras realmente respirassem em algum canto do universo. O resultado é uma narrativa orgânica, onde o espectador facilmente se identifica com a complexidade dos conflitos internos, tanto pela sua autenticidade quanto pela singularidade das angústias vividas por cada um dos envolvidos, refletindo um realismo que transborda as telas.

Dorothea Fields personifica o espírito da era da Grande Depressão. Aqueles que nasceram nos dias sombrios que seguiram o colapso da Bolsa de 1929 carregam consigo uma espécie de ceticismo crônico, especialmente se são mães solteiras tentando criar filhos adolescentes em um cenário que pouco entende suas dores. Aos 55 anos e com o cigarro sempre entre os dedos, Dorothea se vê diante da árdua tarefa de educar seu filho Jamie, de quinze, numa sociedade onde os dois são vistos como exceções exóticas, principalmente na pacata Santa Bárbara dos anos 80.

Annette Bening entrega uma performance poderosa como essa mulher inquieta, que, ao observar cada interlocutor, parece sempre buscar segredos ocultos por trás de palavras triviais. A casa que ela compartilha com Abbie, uma fotógrafa punk que enfrenta a recuperação do câncer, e William, um faz-tudo com uma aura hippie, se transforma num microcosmo de personalidades distintas, mas todos conectados por uma atmosfera de constante estranhamento. Com a chegada de Julie, a amiga íntima de Jamie que, numa inquietude própria, busca conforto em seu colchão durante as noites, a tensão sobe, e a escuridão emocional se aprofunda.

Em “Toda Forma de Amor”, Mills explorou a história de um homem idoso se assumindo homossexual, com Christopher Plummer brilhando no papel que lhe rendeu o Oscar. Agora, com “Mulheres do Século 20”, ele vira o foco para a figura materna, tecendo uma narrativa que vai além da mera confissão pessoal, encontrando eco em temas universais. O jovem Jamie, interpretado por Lucas Jade Zumann, enfrenta os desafios de se posicionar em um mundo dominado por influências femininas, simbolizadas por Julie, vivida por Elle Fanning. A trama, embora tenha em seu centro as figuras femininas, também toca na necessidade masculina de encontrar sua voz em meio ao caos das relações humanas.


Filme: Mulheres do Século 20
Direção: Mike Mills
Ano: 2016
Gênero: Comédia/Drama
Nota: 8/10