“Pássaro do Oriente” não se esquiva de atuar como uma obra enigmática, algo que, sem dúvida, pode incomodar alguns espectadores, principalmente em uma época em que se espera soluções rápidas e fáceis para qualquer situação, inclusive nas que o cinema apresenta. É uma obra que, com sua narrativa intrincada, desafia aqueles que evitam amadurecer e preferem respostas imediatas e superficiais.
Baseado no livro “Delito Sem Provas” de Susanna Jones, lançado no Brasil há quase duas décadas pela Editorial Presença, o filme de Wash Westmoreland, de 2019, extrai do material original uma série de metáforas sugestivas. Ao mesmo tempo, ousa criar novos arcos narrativos, não explorados pela autora, talvez por motivos mercadológicos. No entanto, essa ousadia não compromete a qualidade artística da adaptação cinematográfica.
A chave para o sucesso desta adaptação é clara: Westmoreland consegue, com habilidade, transitar entre a fidelidade ao romance original e a liberdade criativa do cinema. Como muitos escritores sabem, por mais que se esforcem, é impossível garantir que sua obra seja compreendida exatamente da maneira que idealizaram. E “Pássaro do Oriente” exemplifica perfeitamente como o cinema pode dialogar com a literatura, ao mesmo tempo em que preserva sua própria identidade artística.
O roteiro, também assinado por Westmoreland, abraça o mistério e parece, inclusive, apostar nessa característica como seu principal recurso narrativo. Ao distanciar-se da narrativa da romancista Jones, o filme constrói sua própria identidade, explorando com mais intensidade a tensão e o suspense que permeiam toda a trama. Os momentos de tensão emocional são instintivos, quase orgânicos, servindo como base para a criação de novas abordagens que capturam a atenção do público.
Enquanto o suspense requer uma abordagem mais calculada e metódica, o drama exige uma sensibilidade que muitas vezes desafia as convenções narrativas. O equilíbrio entre essas duas dimensões é alcançado com maestria, mas apenas porque o filme conta com um elenco talentoso, capaz de sustentar um enredo tão emocionalmente complexo.
A atuação de Alicia Vikander em “Pássaro do Oriente” é digna de comparação com suas performances anteriores, especialmente em “Ex_Machina: Instinto Artificial” (2015) e “A Garota Dinamarquesa” (2015), que lhe rendeu um Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante. Em sua interpretação de Lucy Fly, uma tradutora sueca vivendo em Tóquio, Vikander traz à tona todas as nuances de uma personagem profundamente marcada por tragédias pessoais. Sua atuação reflete a alienação cultural de Lucy, que, apesar de dominar o idioma e o ofício, nunca consegue se integrar plenamente à sociedade japonesa.
O relacionamento entre Lucy e Teiji, interpretado por Naoki Kobayashi, é uma extensão dessa desconexão. A incapacidade de Lucy de formar laços profundos com ele ressalta sua fragilidade emocional, algo que se agrava com a chegada de Lily Bridges, vivida por Riley Keough. A personagem de Keough, uma ex-enfermeira americana que agora trabalha como bartender, entra em cena com uma intensidade que transforma a trama, trazendo à tona as tensões latentes entre os personagens.
A narrativa de “Pássaro do Oriente” se desenrola com uma tensão crescente, à medida que Lucy se vê envolvida em uma série de situações perigosas e bizarras, muitas das quais giram em torno de Lily. O desenvolvimento de Lily ao longo do filme é constante, e sua presença se torna cada vez mais significativa, especialmente nos momentos finais da trama, que permanecem abertos a interpretações. O epílogo do filme não entrega respostas definitivas, deixando o público com questões não resolvidas e uma sensação de inquietação.
Essa ambiguidade, tanto narrativa quanto emocional, pode ser vista como a maior força e a maior fraqueza do filme. Westmoreland, ao evitar soluções fáceis ou desfechos previsíveis, cria uma experiência cinematográfica que desafia o espectador a mergulhar na complexidade psicológica de seus personagens, especialmente Lucy Fly. O filme termina com um silêncio perturbador, deixando no ar a pergunta se, afinal, a misteriosa ave encontrará sua canção após o caos da tempestade.
Com um estilo ousado e um foco deliberado em criar desconforto, “Pássaro do Oriente” não é um filme que se propõe a agradar a todos, mas, justamente por isso, destaca-se como uma obra singular, que exige uma participação ativa do espectador, convidando-o a interpretar e questionar os mistérios que Westmoreland cuidadosamente constrói ao longo dos 107 minutos de projeção.
Filme: Pássaro do Oriente
Direção: Wash Westmoreland
Ano: 2019
Gêneros: Drama/Mistério/Romance
Nota: 9/10