Visto por 121 milhões de assinantes nas três primeiras semanas na Netflix, filme ficou 8 semanas no Top 10 mundial Divulgação / Netflix

Visto por 121 milhões de assinantes nas três primeiras semanas na Netflix, filme ficou 8 semanas no Top 10 mundial

Em seus trabalhos, Sam Esmail nos apresenta um panorama inquietante de um futuro que parece cada vez mais inevitável. Em “O Mundo Depois de Nós”, o cineasta aborda temas que já fazem parte do nosso cotidiano, mas cuja importância tende a se intensificar com o tempo, o que pode acabar saturando as narrativas caso não sejam conduzidas de forma inovadora. Esmail, no entanto, se destaca por conseguir unir de maneira quase cirúrgica os impulsos autodestrutivos da humanidade, sem perder de vista questões sociais cruciais e ainda tão presentes, como o racismo.

Trata-se de um tema que, apesar de parecer ultrapassado, permanece enraizado em nossa sociedade. O diretor reconhece a futilidade de simplesmente renomear problemas sem efetivamente mudar a maneira como lidamos com eles. Ao adaptar o romance de Rumaan Alam, Esmail opta por uma abordagem direta e implacável, deixando que a crítica social afiada do autor ressoe com força.

Amanda Sandford é o retrato de um niilismo que parece ecoar no espírito do nosso tempo. Inicialmente, sua vida em um luxuoso apartamento no Brooklyn parece confortável, mas a aparente perfeição é desfeita por detalhes sutis, como as paredes descascadas e os sulcos que deixam à mostra sua insatisfação.

O brilhante monólogo da personagem, interpretada por Julia Roberts, revela seu desprezo pela vida que leva e, de maneira mais ampla, pelas pessoas ao seu redor, que, na visão de Amanda, tentam em vão melhorar o mundo e a si mesmas. A atuação de Roberts é central, dominando a tela por quase 140 minutos, com uma expressão que parece antecipar o inevitável desfecho trágico.

A cinematografia de Tod Campbell mantém um equilíbrio entre o claro e o sombrio, sugerindo que há algo perturbador por trás da fachada cotidiana. A interação entre Amanda e seu marido Clay, interpretado por Ethan Hawke, revela ainda mais o desalento da protagonista. Clay é passivo, quase irrelevante, e Amanda, com um olhar sempre distante, é quem toma todas as decisões, inclusive a de alugar uma mansão em Long Island para uma escapada familiar com seus filhos, Rose e Archie. Desde o início, fica claro que há algo de errado com essa decisão e com o estado mental de Amanda, mas é sua autoridade incontestável que define o rumo dos acontecimentos.

Pouco tempo após a chegada à mansão, sinais de que algo mais grave está em andamento começam a surgir. O Wi-Fi cai, e logo depois um navio de carga naufraga nas proximidades, intensificando a sensação de que o mundo está à beira de um colapso. Esmail explora essa tensão crescente de maneira sagaz, utilizando o humor sarcástico para criticar teorias conspiratórias, mas logo essas piadas dão lugar a questões mais sérias e contundentes.

A chegada de G.H. Scott, um homem negro que afirma ser o verdadeiro proprietário da casa, e sua filha Ruth, desencadeia uma série de eventos que expõem o racismo latente de Amanda. Embora Scott seja calmo e educado, Amanda resiste em acreditar em sua história, em grande parte por causa da cor da pele dele.

Mahershala Ali, como G.H. Scott, e Myha’la Herrold, como sua filha, oferecem atuações poderosas, especialmente em suas interações com Amanda. Ali equilibra com perfeição a compostura e a autoridade, enquanto Myha’la dá vida a uma personagem que, apesar de jovem, exerce uma influência marcante. O conflito entre essas duas famílias – uma branca e outra negra – é um microcosmo das tensões sociais que permeiam a narrativa. Ao mesmo tempo, Esmail constrói uma atmosfera de catástrofe iminente, em que a humanidade, em seu egoísmo e ignorância, revela seu lado mais grotesco.

O filme traz à mente obras como “Não Olhe para Cima” de Adam McKay e “Corra!” e “Não! Não Olhe!” de Jordan Peele, no sentido de combinar críticas sociais com uma visão apocalíptica do futuro. No entanto, “O Mundo Depois de Nós” vai além ao explorar não apenas a fragilidade das instituições sociais, mas também a maneira como as pessoas lidam com o medo e a incerteza. O desfecho, longe de ser conclusivo, é mais um episódio na longa série de fracassos humanos diante de crises, revelando o quanto ainda temos a aprender – ou desaprender – enquanto espécie.

Ao final, Esmail nos deixa com a incômoda sensação de que, embora a destruição iminente seja inevitável, a verdadeira tragédia está no fracasso em reconhecer e confrontar os problemas que nós mesmos criamos. É um retrato sombrio e implacável de um mundo que parece determinado a seguir em direção ao abismo, enquanto seus habitantes se agarram a ilusões de segurança e controle.


Filme: O Mundo Depois de Nós
Direção: Sam Esmail
Ano: 2023
Gêneros: Thriller/Drama
Nota: 9/10