Nenhum filme vai te abalar tanto. A melhor atuação da carreira de Mila Kunis está na Netflix Divulgação / Indigenous Media

Nenhum filme vai te abalar tanto. A melhor atuação da carreira de Mila Kunis está na Netflix

O sucesso avassalador de “Quatro Dias com Ela” não seria possível sem a química irretocável entre duas atrizes fenomenais e um diretor meticuloso, que não se desvia da técnica por um momento sequer. Desde o início, percebe-se que Rodrigo García tem em seu DNA uma habilidade especial para contar histórias, sendo filho de Gabriel García Márquez (1927-2014). Com uma extensa carreira que abrange tanto o cinema quanto a televisão, García, como seu pai, explora as complexidades da alma humana, alcançando efeitos que frequentemente desafiam o previsível. Neste filme em particular, ele leva ao limite o realismo brutal, retratando a dor de uma mãe que luta para resgatar sua filha do inferno do vício, com uma intensidade desconcertante.

A narrativa de García mergulha no doloroso percurso de Amanda Wendler, uma jovem de classe média de Riverside, sul da Califórnia, que após um acidente acaba viciada em oxicodona aos 17 anos. O roteiro, coescrito por García e Eli Saslow, capta as memórias mais duras de Wendler sem adotar uma visão romantizada. Ainda assim, a trama consegue extrair um tipo peculiar de humor ácido e afetuoso, especialmente ao destacar a inexplicável persistência de um vínculo familiar já esgotado.

As primeiras cenas têm um sabor agridoce, preparando o terreno para o caos subsequente. O diretor suaviza, de início, o abismo emocional entre mãe e filha, mas logo expõe o horror gradual que se instala entre duas pessoas que, embora unidas pelo sangue, perderam completamente qualquer ponto de convergência. Molly, vivida por Margaret Wheeler, aparece em uma praia com a mãe, e logo em seguida, deteriorada pelo vício, surge irreconhecível: maltrapilha, descuidada, com os dentes apodrecidos pelo uso de opioides.

O espectador é forçado a reavaliar a figura de Mila Kunis, que incorpora uma jovem despedaçada, sem orgulho, que rasteja por um último fio de dignidade perante uma mãe cansada, exausta dos mesmos ciclos de promessas vazias e recaídas. A personagem de Glenn Close, Deb, se mantém equilibrada até certo ponto, mas logo também se vê desmoronando. O casamento com Chris, seu segundo marido, só não colapsa completamente pela profunda afeição que ele sente por ela, o que é suficiente para sustentar a trama até seu segundo ato. O filme se aprofunda ainda mais na dor das recaídas de Molly, enquanto Deb se agarra a uma esperança frágil, compartilhada pelo público.

O desfecho sugere uma possível redenção, com Kunis lentamente recuperando parte de sua antiga glória, agora livre das marcas mais visíveis de seu passado sombrio. Contudo, fica claro, como qualquer um que já tenha enfrentado essa batalha sabe bem, que a vitória, se houver, será gradual, sem promessas de milagres.


Filme: Quatro Dias com Ela
Direção: Rodrigo García
Ano: 2020
Gênero: Drama
Nota: 9/10