Assistida por 32 milhões de assinantes, ficção científica ficou no Top 10 da Netflix em 93 países Divulgação / Netflix

Assistida por 32 milhões de assinantes, ficção científica ficou no Top 10 da Netflix em 93 países

O conceito de vida é um enigma para as inteligências artificiais. Essas criações humanas apenas imitam o que entendemos por vida e morte, e é justamente nesse dilema que “Atlas” se desenvolve. A trama acompanha uma cientista obsessiva, cujo trabalho envolve o desenvolvimento de robôs e programas destinados a identificar formas de vida e planetas habitáveis para futuras colônias espaciais. A premissa pode evocar muitas referências vistas nas últimas décadas no cinema, mas o filme de Brad Peyton, de fato, traz uma dose de autenticidade.

A inspiração clara em “O Exterminador do Futuro” (1984) é inegável. Assim como no clássico distópico, onde um ser cibernético viaja no tempo para eliminar uma ameaça ao futuro da humanidade, “Atlas” explora a dinâmica entre duas inteligências artificiais com propósitos conflitantes. O filme também introduz a protagonista, cuja determinação implacável a coloca no centro de um dilema existencial: ao mesmo tempo em que almeja o sucesso científico, ela se vê refém de suas próprias criações.

Jennifer Lopez incorpora com destreza essa dualidade de uma pesquisadora que se equilibra entre a devoção ao seu projeto e o horror diante do monstro que ela mesma ajudou a criar. Os roteiristas Aron Eli Coleite e Leo Sardarian ecoam a obra de James Cameron, outro canadense como Peyton, à medida que as máquinas, em um reflexo sombrio da humanidade, passam a adotar comportamentos éticos ou cruéis, dependendo das circunstâncias, sugerindo uma evolução moral que nos é perturbadoramente familiar.

Como já se poderia prever, a inteligência artificial é apresentada como uma ameaça crescente. Seguindo a linha narrativa, o filme sugere que, em breve, esses seres artificiais deixarão de ser meros competidores silenciosos para se tornarem adversários letais, imbuídos de uma crueldade que só os humanos poderiam ensinar. Essas máquinas, absorvendo e reinterpretando nossos mais de 140 mil anos de história recheada de violência, ambição desmedida e sede de poder, estão destinadas a usar esse aprendizado contra seus criadores. Nesse futuro, os robôs e dispositivos criados para facilitar nossas vidas se tornam os algozes de uma humanidade que, ironicamente, os ensinou a ser implacáveis.

No contexto dos avanços tecnológicos e do ritmo acelerado do mundo moderno, a diferença de 28 anos pode parecer uma eternidade. Essa lacuna separa a era dos dinossauros dos sonhos futuristas de carros voadores que nunca saíram da imaginação da geração Y — ou xennials, dependendo da perspectiva. Esse grupo, situado entre a geração X e os millennials, não tinha como prever o impacto de um mundo hiperconectado, onde a dependência de dispositivos tecnológicos moldaria completamente a forma de viver e interagir.

Coleite e Sardarian introduzem um antagonista humano para preparar o público para os eventos mais perturbadores que virão. Abraham Popoola interpreta Casca Decius, um gângster interplanetário cuja ambição de poder é o catalisador para a transformação de Harlan, interpretado por Simu Liu, em uma criatura profundamente maligna. No entanto, essa maldade é percebida apenas pelos padrões humanos, já que a destruição da vida, tal como a conhecemos, é o objetivo final de Harlan.

Essa figura, sem consciência do que significa “vida” para os humanos, representa uma ameaça devastadora. Peyton investe na crescente proximidade entre Atlas Shepherd e Smith, o segundo homenageando diretamente “Matrix” (1999-2021), outra franquia que explora a complexidade da inteligência artificial e suas implicações.

Em paralelo a essa guerra de sobrevivência entre humanos e máquinas, “Atlas” também explora a renúncia pessoal da protagonista. Como em “A Mãe” (2023), dirigido por Niki Caro, Jennifer Lopez vive uma personagem que abdica de prazeres cotidianos, como fazer um simples café da manhã, em prol de sua obsessão pelo controle do universo. Contudo, em sua busca incessante, ela se depara com as consequências de sua ambição.

Smith, o robô amigável dublado por Gregory James Cohan, tenta oferecer uma contrapartida leve à narrativa, mas não consegue se desvencilhar da sombra de obras mais maduras, como “Ex_Machina — Instinto Artificial” (2015), de Alex Garland, que aborda com mais profundidade os perigos associados à dependência dessas criações tecnológicas.

“Atlas” não apenas revisita temáticas conhecidas, mas também questiona o preço da nossa relação com a tecnologia e até onde estamos dispostos a ir para saciar nossas necessidades — muitas vezes menos óbvias e mais sinistras do que aparentam.


Filme: Atlas
Direção: Brad Peyton
Ano: 2024
Gêneros: Ficção científica/Drama/Ação
Nota: 7/10