É um dos melhores filmes de 2024, mas menos de 15% dos assinantes da Netflix o assistiram Divulgação / Netflix

É um dos melhores filmes de 2024, mas menos de 15% dos assinantes da Netflix o assistiram

Poucos nomes em Hollywood desafiaram as expectativas tanto quanto Adam Sandler. Antigamente conhecido por comédias exageradas como as duas produções da franquia “Gente Grande” (2010-2013) e “Cada Um Tem a Gêmea Que Merece” (2011), dirigidas por Dennis Dugan, além de “O Zelador Animal” (2011), de Frank Coraci, Sandler parecia preso a papéis repetitivos, em que as nuances dos personagens se perdiam em roteiros previsíveis. No entanto, nos últimos cinco anos, uma mudança notável se consolidou em sua carreira, destacada por “Joias Brutas” (2019), dirigido por Ben e Josh Safdie, que inaugurou uma nova fase na qual o ator explorou personagens mais complexos, como também demonstrado em “Os Meyerowitz: Família Não se Escolhe” (2017), de Noah Baumbach, onde a química entre Sandler e o elenco, especialmente Dustin Hoffman, trouxe uma dinâmica fascinante. O humor típico de Sandler tornou-se mais contido, uma transformação que veio a calhar e é bem recebida por muitos.

Três anos depois, o filme “Arremessando Alto” (2022), de Jeremiah Zagar, confirmou essa nova direção em sua trajetória, e agora “O Astronauta” solidifica a mudança definitiva de um dos maiores astros da indústria cinematográfica. Adaptado pelo sueco Johan Renck — cujos trabalhos incluem videoclipes para Madonna, documentários sobre David Bowie e episódios da série premiada “Chernobyl” (2019) da HBO —, o filme transpõe o romance de ficção científica “Spaceman of Bohemia” (2017), de Jaroslav Kalfař, explorando o lado sombrio do personagem central. Para Sandler, essa transformação de papéis vem sem esforço aparente. Ele interpreta um homem cujas decisões, embora altruístas, acabam levando a uma espiral de autodestruição. Isolado no espaço por seis meses, ele reflete sobre a incerteza de sua vida e o que restará quando retornar à Terra.

Viver é uma série de renúncias, sempre à procura de algo que justifique as dores inevitáveis da existência. Buscamos beleza até nas experiências mais prosaicas, e o paradoxo da vida está justamente em tornar bela aquilo que, à primeira vista, pode parecer insignificante ou doloroso. Em meio ao ridículo e ao trágico, existe uma beleza que romances serenos muitas vezes não capturam, sendo justamente essa dualidade que pode proporcionar visões mais profundas sobre a experiência humana. Sandler personifica essa busca com nuances de melancolia e autoquestionamento, mostrando que mesmo heróis carregam fardos pesados e, por vezes, encontram mais consolo na fuga para o desconhecido do que no enfrentamento das batalhas cotidianas.

Jakub Prochazka, o personagem principal, simboliza essa fuga: ao invés de lidar com o caos interno da Terra, opta por embarcar numa jornada cósmica. No entanto, o que ele encontra não é a tranquilidade esperada, mas um turbilhão de lembranças, sobretudo ligadas ao relacionamento conturbado com o pai ausente e ao casamento recente com Lenka, interpretada por Carey Mulligan, cuja presença no filme é mais emocional do que significativa para a trama. O único companheiro constante de Jakub durante sua viagem espacial é Hanus, um gigante aracnídeo dublado por Paul Dano na versão original. Hanus serve tanto como alívio cômico quanto como uma figura reveladora, jogando na cara de Jakub a dura verdade de que sua solidão é, em grande parte, resultado de suas próprias escolhas.

O roteiro, coescrito por Kalfař e Colby Day, carrega diálogos afiados e observações mordazes, especialmente quando entregues por Hanus, que despede suas verdades com uma honestidade brutal. A jornada de Jakub é marcada por dilemas existenciais e, embora ele sobreviva fisicamente à aventura, a volta para casa é acompanhada de um peso emocional considerável. Afinal, ser herói no espaço é fácil; o verdadeiro desafio é retornar e enfrentar as complexidades deixadas para trás na Terra.


Filme: O Astronauta 
Direção: Johan Renck
Ano: 2024
Gêneros: Ficção científica/Aventura
Nota: 9/10