O filme com Ana de Armas e Ryan Gosling, na Netflix, que você não conseguirá parar de ver

O filme com Ana de Armas e Ryan Gosling, na Netflix, que você não conseguirá parar de ver

Um novo universo frequentemente se revela através de questionamentos, mesmo que, à primeira vista, essas indagações não pareçam pertinentes. Philip K. Dick (1928-1982) foi um dos mais entusiasmados com a iminente estreia de um grande filme nos cinemas. Em sua última entrevista, concedida à “The Twilight Zone Magazine”, Dick não disfarçava a empolgação, demonstrada até na indecisão sobre o que vestir para o que ele considerava um dos momentos mais importantes de sua vida: o reconhecimento de uma carreira que, em duas décadas, produziu 44 obras. Para a ocasião, cogitava comprar ou, de forma mais prática, alugar um smoking, embora sua preferência fosse por uma camiseta e jeans gastos.

No entanto, Dick não se mostrou inicialmente animado com a adaptação de “Androides Sonham com Ovelhas Elétricas?”, sua obra-prima, publicada em 1968. Dois anos após a publicação, ele descobriu que os direitos de sua obra haviam sido vendidos pela editora Doubleday, sem seu consentimento, para o produtor Herb Jaffe, que designou seu filho, Robert, para escrever o roteiro. “Devo te dar uma surra aqui no aeroporto ou no meu apartamento?”, teria questionado Dick ao encontrar Jaffe, na tentativa de convencê-lo a desistir da ideia. Felizmente, nada disso aconteceu. Em 1977, o produtor Michael Deeley ingressou no projeto, o que pavimentou o caminho para que “Blade Runner — O Caçador de Androides”, dirigido por Ridley Scott, finalmente chegasse às telonas em 25 de junho de 1982.

Ao longo de mais de três décadas, a primeira adaptação cinematográfica da obra de Philip K. Dick dividiu opiniões. Embora tivesse o potencial de alcançar um público maior, inicialmente, “Blade Runner” foi cultuado apenas por cinéfilos de nicho, até que, com o tempo, conquistou o status de clássico, apesar da resistência dos fãs mais puristas, que viam o filme como uma apropriação indevida de algo que consideravam exclusivamente seu.

Com o lançamento de “Blade Runner 2049”, em 2017, o filme se mostrou não apenas contemporâneo, mas também fiel ao espírito da produção original. Muitos, no entanto, não compreendem que uma obra pode respeitar a essência de sua predecessora sem se tornar uma mera imitação. Isso é evidente no desenvolvimento dos personagens e na construção dramática do enredo, com destaque para Ryan Gosling, que interpreta KD6-3.7, um policial de Los Angeles encarregado de “aposentar” androides envelhecidos e fora de controle. Esses seres, inicialmente destinados à extinção, conseguem se camuflar entre os humanos, ameaçando o equilíbrio social.

Mesmo com o risco de cair em clichês do gênero, o filme se destaca graças à direção do talentoso Denis Villeneuve, que assumiu o projeto após Ridley Scott se dedicar apenas à produção executiva. Villeneuve já havia demonstrado sua habilidade em filmes como “Os Suspeitos” (2013), “O Homem Duplicado” (2013), “Sicario: Terra de Ninguém” (2015) e “A Chegada” (2016), sendo este último considerado um dos marcos do cinema do século 21 por sua abordagem inovadora e sofisticada. No Brasil, “Blade Runner 2049” estreou em 5 de outubro de 2017, um dia antes do lançamento nos Estados Unidos.

O personagem de Gosling, K, tem a missão de caçar replicantes, sendo ele mesmo uma mistura complexa de humano e máquina, com um destino igualmente trágico: a morte. Seu principal alvo é Rick Deckard, o replicante de 1982 que sobreviveu ao tempo e às perseguições, vivendo recluso e sem prestar contas a ninguém, algo que K almeja para si. A inevitabilidade de seu fim o aterroriza, levando-o a refletir se vale a pena continuar, como Deckard, fugindo e vivendo relacionamentos superficiais, por mais perfeitos que possam parecer. Joi, sua namorada virtual, criada pela Wallace Corporation, o acompanha de perto, embora seja apenas uma projeção sem substância física, enquanto Deckard, por outro lado, tem uma vida mais tangível, sendo casado.

Sob a perspectiva do existencialismo, corrente filosófica iniciada por Søren Kierkegaard e popularizada por pensadores como Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir, a existência precede a essência. Em outras palavras, um indivíduo só pode ser definido por suas experiências. K deseja ser humano, mas carece de uma verdadeira humanidade. Seus raros momentos de sensibilidade são sempre motivados por razões secundárias, até que ele recorda de um brinquedo, um cavalo de madeira, que se torna um símbolo crucial no enredo de “Blade Runner 2049”.

Visualmente, “Blade Runner 2049” é uma obra de arte. A fotografia desempenha um papel central, sustentando as quase três horas de projeção e contribuindo para a transmissão de uma mensagem que provavelmente levará décadas para ser plenamente compreendida. Assim como o filme original de Ridley Scott, a produção de Villeneuve carrega uma atmosfera noir, refletindo a hesitação de uma humanidade cada vez mais conformada com seu próprio declínio. As máquinas, afinal, venceram.


Filme: Blade Runner 2049
Direção: Denis Villeneuve
Ano: 2017
Gêneros: Ficção científica/Ação
Nota: 10/10