O primeiro filme em língua não inglesa a ganhar o Oscar de Melhor Filme, está no Max Divulgação / Neon

O primeiro filme em língua não inglesa a ganhar o Oscar de Melhor Filme, está no Max

Poucas vezes na história do cinema a pobreza, a desigualdade social, os horrores que o dinheiro — ou, principalmente, a falta dele — acarreta na vida de indivíduos e de uma nação, nessa ordem, foram mostrados com tamanhas perspicácia e virulência como em “Parasita”, um filme dificílimo de ser rotulado. A uma apreensão ligeira, pode-se pensar numa comédia de costumes temperada com um quê de suspense; todavia, não são necessários mais que quinze minutos para que se alcance a conclusão de que, feito na vida como ela é, aqui também tudo reveste-se de camadas mais e mais densas de reflexão prática, com uma grande história, de apurada linguagem visual, na superfície. 

Poucos diretores sabem como dizer essas verdades incômodas e fomentar discussões cada vez mais urgentes como o sul-coreano Bong Joon-ho, que, merecidamente, botou no currículo láureas a exemplo do Oscar de Melhor Filme por este trabalho, o primeiro longa em idioma estrangeiro a vencer na categoria, e também o primeiro a ganhar a estatueta da Academia e a Palma de Ouro de Cannes — façanha que voltou a acontecer 65 anos depois de “Marty” (1955), de Delbert Mann (1920-2007) —, sem deixar de fora também a premiação como Melhor Filme Internacional, mais óbvia.

Pelo que se pode analisar de produção, temas de cunho sociológico enchem os olhos de Bong. “Expresso do Amanhã” (2013) e “Okja” (2017) decerto pavimentaram o caminho do diretor e Han Jin-won, seu corroteirista, até “Parasita”, mas não seria nenhum exagero dizer que essa diferença de seis anos multiplica-se por algumas dezenas tamanha a maturidade e até mesmo a clarividência que se notam aqui. A família de miseráveis comandada por Kim Ki-woo dobra caixas de pizza para uma empresa de entregas e usa o wi-fi de uma cafeteria da vizinhança, não para economizar, e sim porque não encontra um meio de subsistência que lhes permita vislumbrar o ingresso na tal sociedade do consumo, o verdadeiro passaporte para a vida de plenitude com que cada vez mais gente sonha. Uma mudança começa a se desenhar no horizonte quando um amigo o recomenda como professor de inglês para uma garota por quem está apaixonado, o que vai destrinchando um dos mistérios acerca desse clã de desgraçados, desde já babando diante da chance de, literaalmente, sair do buraco. 

Choi Woo-sik deita e rola, muito bem-amparado pelas orgânicas reviravoltas do texto de Bong e Han, que não esquecem de incluir no corpo da narrativa todas as referências que conseguem ao labirinto subterrâneo da mansão, justificando à larga o título. “Parasita” vai se transformando de uma despretensiosa trama de espertos vigaristas prontos a usurpar um espaço que não lhes pertence a um noir solidamente estruturado sobre milionários que sugam a gente desvalida que remuneram com o salário mais irrisório possível. E, então, o filme larga a pergunta sobre quem explora quem, sem margem para respostas fáceis.


Filme: Parasita
Direção: Bong Joon-ho
Ano: 2019
Gêneros: Drama/Suspense
Nota: 9/10